sábado, 27 de dezembro de 2014

AS ONDAS PANTANOSAS DA INDÚSTRIA DA CONSCIÊNCIA

 

O atual pântano ideológico (que nos sitia) proclama o princípio supremo da livre competição, no granjeio sempre diversamente materializado, como uma condição medular à realização do bem-fazer coletivo. Como consequência, admitir e encalçar o desígnio do interesse comum torna-se, nesta imaginativa lógica, num cogitar fossilizado face à demanda do bem-conceituado sucesso individual e dos valores que o ratificam. Por vezes, quando a circunstância se oferece e se enfrenta o tema, as críticas dos presentes a uma tal premissa logo se rateiam entre o vanguardismo acusativo da retrogressão e a vigilância sarcástica do radicalismo revolucionário.

Os situacionistas, gente bem instalada e uma outra aparvalhada que se julga aí hospedada, de imediato se esquivam a malbaratar o seu suposto e aburguesado valor social, sempre superficial e quase sempre contrafeito, e corporificado por trás da lídima ostentação ou da mimetização burlesca da sua arquitetada aparência carnavalesca. No quadro desta sucinta sinopse, estes situacionistas, sobretudo os aparvoados, encanzinam-me porque, perdidos nas veredas da moda e dos seus modismos, pela estreiteza ou lateralidade destas, não enxergam o que vale pensar e discutir e, como nos alerta Kurz Robert, alegremente gastam o seu tempo crítico a surfar as ondas pantanosas da indústria da consciência. Nestas águas, as da consciência, procuro não ser cândido e muito menos indiferente. Assim sendo, tal agastamento não abocanha a tenacidade do meu enraizado inconformismo.

Share:
Read More

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

REMEMORAR O PASSADO

 

Seriamente penso que as memórias transfiguram sempre o passado. O tempo e o momento dispõem a alma a uma ficção apropositada. Parafraseando Dupuy[1] diria que a causa é [nestes casos] posterior ao efeito, [pois] o motivo da viagem é uma das consequências da [própria] viagem.


[1] Citado por Slavoj Zizek, em “VIVER NO FIM DOS TEMPOS”.

Share:
Read More

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

NO ÍNTIMO DA PANTOMIMA ELEITORAL

 

A enunciação discursiva de bondosos princípios é a característica que mais brilha no intuito do encantamento, embuçando (vezes sem conta) a inteireza doutrinária de sorrateiras razões convertidas em meritórias convicções. Os princípios invocam o prestígio da universalidade e o fraseado judicioso que os escoltam outorga-lhes credibilidade, tudo acontecendo em simultâneo com o resguardo da dosagem de antemão acertada, que na sequência do todo, legitimará as inconsonâncias do que se propõe empreender. É no acinzentar deste resvalo que o discurso político (e não só) se posiciona e se disputa concorrendo para a sua apostada e eficiente opacidade. A acareação eleitoralista, já em tempo de crispada profusão, espelha com uma cristalinidade espantosa aquela dissonância e, sobretudo, desvela a sua natureza rasteira, fingidiça e impudente de pura aliciação e caça ao voto. Aqui, em particular, a aplicação ética do cinzento não combina.

Share:
Read More

sábado, 29 de novembro de 2014

VASSOURAR A BANDIDAGEM – UMA OBRIGAÇÃO DE TODOS NÓS

 

Já não suporto escutar nem ler os igrejeiros que, embarricados na desarmonia dos seus desesperos tribais, esparrinham ódios dos telúricos lugares das suas cegas paixões. Mais do que se excreta, fica a estéril certeza da conturbação caótica dos ânimos que, dos dois campos da adversão, ulcera o lastro mútuo das animosas arremetidas.

Não obstante, a hediondez do espetáculo da corruptela aformosear a monstruosidade que a agiotagem obstinadamente apresenta da figura do Estado, a trágico-comédia, há largos anos em cena, revelou-se estética e gradativamente aprimorada quando os regedores, como corruptos, se tornaram atores e, enquanto regentes, apenas meros figurantes.

Neste tempo de sérias perplexidades, de expressiva fragilização das estruturas políticas e das instituições do Estado, da desvalorização do trabalho e do retrocesso civilizacional e jurídico dos direitos das pessoas, apraz-me aqui sinalizar e evocar, neste brevíssimo desabafo, D. Helder da Câmara, bispo do Recife, citando-o: “Quando alimentei os pobres chamaram-me santo; mas quando perguntei porque há gente pobre chamaram-me comunista”. Pois é…

O proxenetismo vagueia por aí, sobretudo bem escondido nesse alienante lamaçal onde a cultura da bandalheira política e ideológica coabita em lúbrica e silenciosa comunhão e proveito com o ladro mundo financeiro das negociatas. Doa a quem doer, faça-se Justiça e com esta se contribua para o acesso reversivo ao enobrecimento da Política, à qualificação da Democracia e à humanização da Vida das pessoas. A promiscuidade apontada e a corrupção anunciada – e não propriamente o Estado – constituem hoje o verdadeiro monstro que desnatura as nossas intrincadas existências. Torço pelo sucesso do Direito sobre a Política no que concerne à impunidade dos poderosos. Ponto final.

Share:
Read More

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

DÓI ESCREVER

 

Há uma incomum indolência que me trava as ideias e a escrita que delas pode cuidar. A sentida vulgaridade dos meus desassossegos desponta em mim o desprazer intimidante da banalidade. A sinceridade sinto-a insuficiente e a vontade da autenticidade – essa inseparável e dolorosa incitação – esgota-se na incessante busca da alteridade que a ilumine. As procuras permanecem desmedidas e os retornos continuadamente estreitos e frustrantes. Aflora-se-me o desconforto da falha e afadiga-me a amarga frieza do desabrigo. A mentira que me recolhe é a mesma que, desgraçadamente, me oferece a sua pérfida aleivosia. Os caminhos percorridos, traçados pela difusa indiferença, não me levam ao acolhedor lugar do autêntico. Sobra-me assim os atalhos que tenteio e que aos poucos vou penosamente desencantando. Confiante num esperançoso desconhecido, aguardo que este não me amuralhe a experiência do possível. Naturalmente acompanhado com aqueles que, arrastados pela mesma inquietação, se disponham a afrontar as raias irremovíveis do exercício fecundo da alteridade. Gostaria de ser, e não apenas acreditar ser, para comunicar com verdade e autenticidade. Nunca se sabe se um dia o mito acontece e eu poderei assegurar que por ser, deixei de ser o que era.

Share:
Read More

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

VOLTANDO AO TEMA DA FALSIFICAÇÃO DAS CLASSIFICAÇÕES ESCOLARES

Ao meu amigo Sérgio, a quem prometi uma resposta mais fundamentada sobre a minha postagem de 20 de setembro, intitulada CONTRABANDO OU APENAS GENTE DE MÁ NOTA?

Começo por apresentar ao Sérgio os meus cumprimentos e, junto com estes, as minhas desculpas pela demora da resposta há muito prometida.

Amigo Sérgio; sobre o tema em causa, expresso através de um texto necessariamente telegráfico (escrito de e para um blogue, logo curto, ao qual se fez acasalar um tom deliberadamente jocoso), muitas interrogações seriam possíveis e passíveis de serem colocadas, não só por estas características que acabo de mencionar como também, e sobretudo, pela complexidade do próprio tema.

No essencial, o que procurei ironicamente condenar foi o publicado espavento (e não propriamente o pasmo público) sobre os condenáveis comportamentos das instituições escolares no que às avaliações dos alunos diz respeito. E isto porquê? Porque os hosanas cantados aos celebérrimos rankings empalmaram, na altura e sem pinta de embaraço, a natureza diversa e intrinsecamente complexa da realidade educativa, fabulando a batota da homogeneidade (social, cultural e economicamente dizendo) sob a regência da batuta axiológica da justiça, orquestrando uma peça musical melódica onde o mérito se tornou o mote. Daí que, o espanto revelado atesta, para mim, uma de duas coisas; ou credulidade insciente ou tão-só ciente má-fé.

De uma forma sumária, passo (no entanto) a elencar apenas três dos tópicos (provavelmente os mais estruturantes) que sustentam esta minha perspetiva crítica, não entrando sequer na arquitetura matemática dos resultados que, pela sua conjuração, constrange as instituições escolares às inclassificáveis manobras, umas movidas por uma patética sobrevivência, outras catando, como convém neste mercado da educação, um prestígio indevido:

1. De uma forma geral, os rankings, nos seus múltiplos (e alguns verdadeiramente carnavalescos) campos de serventia, constituem um implemento precioso (deste impiedoso capitalismo neoliberal) que tem por função amamentar (leia-se, dar de mamar) a uma interminável e meliante concorrência (competição), justificando-os (os rankings) com base na suposta relevância social (diga-se, sistémica) das seriações daí decorrentes;

2. No domínio da educação, para além deste transversal tormento ideológico, os rankings escolares sofrem de algumas (outras) sérias e preocupantes distorções pois o processo escolar institucional, ao envolver a irrevogável responsabilidade ética da formação e do desenvolvimento de todas as crianças e jovens, faz com que seja da mais elementar honestidade e justiça ter-se (seguramente) presente que esta incumbência se inscreve num campo fortemente marcado pela diversidade (individual e sociocultural), ao qual acresce uma realização que se efetiva também e igualmente em contextos dissemelhantes e compósitos no que toca aos recursos, designadamente físicos e materiais.

3. Deste modo, neste quadro incontornável de assimetrias e desigualdades, desconsiderar as histórias autênticas que, sempre intrincadas e multifacetadas (e existindo massivamente), reclamam a (cons)ciência da diferença, da sensibilidade e da aceitação – feita de penosos diagnósticos e de engenhosidades incertas, eticamente persuadidos da certeza das necessidades das crianças e dos jovens – não posso deixar de perguntar; como se pode garantir, neste lôbrego e sectário espetáculo da simplificação, rigor na avaliação do que nas escolas se faz se não através de uma dramática invencionice ideológica assente numa colossal mentira social e institucional?

Termino, invocando aqui Bento de Jesus Caraça que não comparece, nestas circunstâncias, como tu podes imaginar, por acaso. Para além de constituir uma referência bem presente no espírito crítico que trespassa este escrito, foi ele que no, plano institucional e simbólico, nos aproximou. E ainda bem.

Um abraço amigo.

Share:
Read More

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

NÃO DISPENSEM O PENICO A TAIS VÓMITOS

A soldadesca portuguesa de licenciados, em número de 17%, torna-se – como se pode amavelmente aperceber – uma inutilidade terrificante frente à talentosa hoste pensante alemã dos 25%. Apesar da discrepância dos números, a embevecida gnose merkeliana enxerga nesta risível desproporção um espavento que este país de gente bruta e grosseira não merece. A saloiice da arte é simples; faz-se sobressair uma relação improvável (o desemprego como consequência de muito saber desacertado) para dar forma e sentido a uma lógica que à problemática (do desemprego) acrescenta ficções e nunca soluções. Como nos diz hoje[1] Ferreira Fernandes, a Angela veio a Portugal falar para os seus, bolçando: “Com essas ilusões das universidades, os cafres não andam a mandar os serralheiros de que vocês precisam”. Estes indómitos alemães há muito que empurram as suas fronteiras geográficas para as raias dos seus esganados interesses. Este regurgitar é histórico e, por isso, evocar o sentido da história não faz mal a ninguém, sobretudo às suas costumeiras presas.


[1] Diário de Notícias (5 de novembro de 2014)

Share:
Read More

terça-feira, 21 de outubro de 2014

AS ONDAS NÃO DERAM PARA SURFAR

Prós e Contras de ontem trouxe à cena a Vida Difícil das Escolas. Na minha despretensiosa opinião, dos convidados em palco apenas um saiu decentemente desta mediática representação. O Domingos Fernandes foi o único que, de um modo enérgico, lembrou amiúde aquele que foi o grande ausente do debate, ou seja, a denúncia da desastrosa política educativa (e social) deste governo. Por sua vez, o suplente do foragido Crato, de ar beato consentâneo, entrincheirou-se na sacristia preocupado com o amanho da sua desarrumada igreja. Todavia, ajudou à missa intentando, com uma expressiva bonomia cristã, esquivar-se ao pecado da inoportuna discórdia. Por outro lado, o atabalhoado Couto dos Santos, contrastando com o sacristão seu vizinho, mostrou-se (sabe-se-lá-por-quê) acirradamente encolerizado ao ponto, perceção minha, de não saber por vezes (e foram muitas) onde estavam as mãos e se achavam os pés tal a agitação caótica do cocuruto e da palavra solta sem ordem nem condução. No que respeita à deputada do PS, essa foi por demais previsível e reverente, nas suas maneiras e nos seus argumentos, acusando uma estranha e adocicada candidez que tornou inócuo o instituto da crítica.

Dos presentes vieram, todavia, algumas pedradas que agitaram o charco dos silêncios deliberados por detrás dos quais se ocultam teimosamente a verdade material dos problemas e, com isso, se desbarata possibilidades (até ver) de impensadas soluções. No registo das singularidades, lembro a lúcida intervenção de um participante professor de história que, numa linguagem de sábia simplicidade, pôs o dedo na ferida desta sórdida e progressiva desqualificação social dos professores. Contudo, permitam-me apontar que, se este governo os amaldiçoa, os professores, a irascibilidade de Maria de Lurdes Rodrigues está irremediavelmente comprometida com esta lamentável história, comprovada e gravada em lápide com a inscrição da sua malfadada sentença perdi os professores mas ganhei os pais e a população. Aqui reside, ou também reside, muito provavelmente, o facto destes prós e destes contras não terem formado ondas suficientemente alterosas para o surfar competitivo que a prova requereria aos convidados presentes. Paciência; demos tempo ao tempo para aquilatar da verdade das promessas (aduzidas) e e das competências (insinuadas) em palco. Por mim, lamento relembrar que, tal como o gato escaldado, da água fria tenho medo e do natural sufoco (por)vir!

Share:
Read More

sábado, 18 de outubro de 2014

ALORPADO MAS … NÃO TANTO

 

As afetadas e analíticas arengas dos economistas, sobretudo daqueles que mumificam no tablado mediático, abespinham-me por vários porquês, dos quais aqui apenas acuso dois deles. O primeiro – raiz da intensa e difusiva canga ideológica dos tempos – porque não tenho ciência bastante para descodificar toda aquela cabalística linguagem técnica que, recolhida sobre si, nada acorre à minha retratada insipiência. O outro, o segundo, certamente dispondo dessa insciência minha e de muitos mais, tem a ver com a implicante e asnática soberba dos ditos que tudo fazem para acoitar a natureza estimativa do seu arrazoado e a hercúlea construção histórica da adequada fórmula política e social dos números que regurgitam, encenando (para tal) um patinar galante sobre o gelo das certezas matemáticas inquestionáveis. Para quando esta gente tão versada não me apresenta a mim, que não sou propriamente um apatetado deprimido, mas igualmente aos desfavorecidos deste mundo e em linguagem de gente, os fundamentos que legitimam, animam e determinam as indecorosas distribuições de rendimentos e as pornográficas desigualdades daí decorrentes. Se tiverem coragem e forem capazes, credibilizem o sistema (que tão piamente agasalham) começando exatamente por aqui.

Share:
Read More

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

O COLAPSO DO ESTADO AINDA NÃO É INEVITÁVEL

Não procuro invocar uma certeza nem tão-pouco uma evidência. Cito apenas uma proporção intrincada que se combina e se expressa numa insciência ética e política que vai exaurindo a própria democracia.

O que sucede em Portugal merece meditação séria. Há 40 anos, a Assembleia Constituinte parecia uma Academia das Ciências. Hoje, com algumas exceções mais ou menos visíveis, a política de topo tornou-se um lugar tendencialmente mal frequentado. Por ambições vazias. Por distraídos bem-intencionados. Por coladores de cartazes que ficaram na fila à espera de serem servidos. O colapso do Estado ainda não é inevitável, escreve (de um modo provocatório, acrescento eu) Viriato Soromenho-Marques, em A roda do oleiro (artigo de opinião, Diário de Notícias de 16.10.2014)

Share:
Read More

sábado, 11 de outubro de 2014

AMANHÃ, O MUNDO PARECE O MESMO

O sonho é um olhar perdido no horizonte dos (im)possíveis

Manuel Maria Carrilho (MMC), no seu escrito O paradigma perdido, de 09.10.2014 no Diário de Notícias, traz-nos à consideração o tópico do crescimento na sua sinuosa relação com a problemática labiríntica do emprego. Como balizamento do que me proponho especular, em nota-de-roda-pé[1], cito os dois parágrafos que captaram a minha atenção e (consequentemente) afagaram a minha deferência.

Dado que não tenho saber bastante para aprofundar criticamente o transcrito, situar-me-ei no plano da valoração da profecia, tendo consciência certa que aventar juízos de valor deste calibre não significa propor um qualquer despego do conhecimento no movimento dialético da sua serventia. Ousar pegar esta lucubração pela ponta dos valores significa, tão-só, reafirmar e ratificar o postulado que assumo como certo do seu papel atuante e significante no estabelecimento e conformação do conhecimento, ou seja, considero que os valores, sendo elementos presentes e participantes na intimidade das ideologias e das culturas, não deixam de interferir afincadamente nos fundamentos, natureza e validade dos conhecimentos.

Posto isto, e recorrendo ao insuspeito e prestigiado Thomas Piretty, aliás citado pelo próprio MMC, sinto-me instigado a destacar, embora de modo sumário, algumas das suas principais e elucidativas conclusões, aliás expressas logo no capítulo introdutório do seu livro O Capital no Século XXI, com o propósito de afirmar a atualidade da importância e da significância da consciência social na definição da arquitetura de possibilidades de futuro. São elas:

1. [É] preciso desconfiar de todo e qualquer determinismo económico: a história da distribuição da riqueza é sempre uma história profundamente política e não poderia ser reduzida a mecanismos puramente económicos.

2. A história das desigualdades depende das representações dos atores económicos, políticos e sociais sobre o que é justo e o que não é, das relações de poder entre esses atores, e das escolhas coletivas que daí decorrem; essa história tem a forma que lhe dá o conjunto dos atores envolvidos.

3. [A] dinâmica da distribuição da riqueza põe em jogo mecanismos poderosos que, de forma alternada, puxam no sentido da convergência e da divergência, e não existe nenhum processo natural e espontâneo que permita evitar que as tendências desestabilizadoras e geradoras de desigualdades prevaleçam no longo prazo.

4. [As] duas crenças otimistas, a [da] “ascensão do capital humano” e a [da] substituição da “luta de classes” pela “luta de gerações” constituem em grande parte meras ilusões, [concluindo neste breve trecho que a] longo prazo, a principal força motriz que verdadeiramente tende para a igualdade das condições é a difusão do conhecimento e da qualificação.

Chegado aqui, e para evitar equivocações dispensáveis, é momento de confessar que a circunstancial relevância aqui dada a estas conclusões justifica-se, acima de tudo, pela atualidade da controvérsia que instala vinda de onde vem, e não pela minha (parcial) concordância ideológica com esses desenlaces. Vigorosamente enraizado na inveterada convicção da insanável (e dialética) desavença entre o capital e o trabalho, o meu íntimo não deixa de apadrinhar a ideia persistente, ou mesmo azucrinante, que é no quadro mais geral da dissimetria dessa disputa contraditória que se faz e constrói a dinâmica do futuro.

No entanto, regressando aos valores, aos ideais que estes esboçam e à sua tarefa primordial de assim alcançar o existente no sentido de abrir caminhos possíveis para o futuro, penso que é essencial reconhecer e valorizar a eficiência do princípio alicerçador de que o atingível se define pela(s) possibilidade(s) do realizável, conhecendo (e agindo sobre) a materialidade dos múltiplos dinamismos presentes, ao mesmo tempo que se acolhe e se situa no lugar certo da conflitualidade (histórica) que os vivificam.

De um modo decretório, e por um longo tempo no futuro do nosso viver, o que hoje se decide e se materializa marca, projeta e potencializa diferentes e contrastantes possibilidades de desenvolvimento social e humano. Assegurar, como o faz Piretty, que a principal força motriz que verdadeiramente tende para a igualdade das condições é a difusão do conhecimento e da qualificação, parece-me (todavia) claramente excessiva pela sua insuficiência.

Na verdade, o conhecimento em si e por si, pese embora a sua natureza contextual e histórica, pouco ou nada ocasiona na produção material das nossas existências. Todavia, atrevo-me a desembestar que, dialeticamente vinculado à sua dimensão valorativa e à ação prática que esta reclama e impulsiona, o conhecimento, só aí, reencontra a transparência da sua fundamentação ética (e) transformadora. Finalizo, então, partilhando (esgoelando) a convicção de que a diversão ideológica, assente na persistente e deliberada autonomização das partes, mais não faz do que perturbar a determinação desse (desejável) possível no complexo contexto da sua imediatez, da sua historicidade e da sua contraditoriedade, na valiosa expressão de José Barata Moura que aqui tomo de empréstimo com a prudência semântica devida[2].

Amanhã, o mundo parece o mesmo mas, de certo, será diferente. Os possíveis estão ao nosso alcance todos os dias, para não dizer a todo o momento. Saibamos nós, na insatisfação do existente e num esforço de aproximação, partilhado e comum, alcançar e trabalhar esses possíveis desejáveis. Lembremo-nos que o mundo não deixa de mudar mesmo que apenas o observemos. Dramaticamente, em qualquer dos nossos ancoradouros existenciais.


[1] Perante a situação marcada pelo debate temático do crescimento económico e, essencialmente, tendo em atenção a forma como ele tem sido tratado pela política através de discursos feitos de “palavras mágicas, que nada dizem [ou] de silêncios calculistas, que tudo escondem”, MMC escreve:

O tópico do crescimento ilustra como nenhum outro [a situação acima descrita]. Já tenho lembrado como ele surgiu, afinal muito recentemente, em meados do século passado. E como ele se impôs com valores altos imprevisivelmente altos, superiores a 3%, na conjunção de um vasto e extraordinário conjunto de fatores, que vão da máquina a vapor à eletricidade, da industrialização à urbanização e à emancipação feminina.

E também já tenho sublinhado que é pouco provável, para não dizer impossível, que uma conjugação análoga se repita agora. Sobretudo porque o potencial de crescimento das inovações mais recentes é muito mais baixa porque a sua lógica económica se alterou profundamente, dependendo ela muito mais da redução de custos do que do aumento da produção.

[2] Em Para uma crítica da “Filosofia dos Valores”.

 

Fotografia retirada DAQUI (Sebastião Salgado da série Trabalhadores, 1993)

Share:
Read More

terça-feira, 7 de outubro de 2014

IMPLUDA VOCÊ, SENHOR PRESIDENTE!

Cavaco Silva, o político militante mais presente nesta nossa amachucada democracia, mostra-se um homem crescentemente patético pela sua desmesurada ridicularia. A sua arenga no 5 de Outubro atesta uma esclarecida transparência que faz abortar qualquer impulso compassivo de piedosa hesitação. Se por um lado encena a hipóstase de alguns dos valores axiais à democracia, por outro, profana esse nosso real e amargurado viver fazendo de conta que o existente em nada o compromete. Atemoriza com a implosão do sistema partidário ao mesmo tempo que carpe pela imprescindibilidade do compromisso. Em jeito filosófico, desata (isolando) o Valor do Ser tartuficando apego e, sobretudo, uma teatral subordinação às reais dificuldades (interesses) das gentes. Com que fito? No seu estilo agrilhoado e jesuítico, apenas cuidar da ordem estabelecida que, no curso da dita falação, foi por ele, através de um alardeado farisaísmo, implacavelmente açoitada. O Presidente Cavaco teria sido cristalino se ele, porventura, de um modo corajoso ousasse desembuchar (com limpidez) algo como; ou a sempiternidade dos mesmos se entende ou as tais gentes, destarte atazanados, podem ter – eles – que desempenar (nas urnas ou nas ruas) esta amarfanhada democracia. Todavia, assim não falou o sonso e apavorado Presidente. Daí, sou compelido a arrematar que para aquelas outras gentes a dita eclosão seria (naturalmente) um conserto possível, para esses tais mesmos, uma imaginável e trabalhosa arrebentação e para o Cavaco presidente, uma calamitosa e garantida implosão…

 

 

 

Share:
Read More

terça-feira, 30 de setembro de 2014

OS ECRÃS DA CASA DOS SEGREDOS

“O verdadeiro escândalo (escândalo de poder, entenda-se) é esse: a injeção quotidiana, em todo o tecido social, de avalanchas de indiferença, de tal modo que a contemplação das imagens produza um bocejo de pueril gratificação. Fenómenos como a Casa dos Segredos massacram, dia após dia, qualquer entendimento minimamente inteligente do trabalho com as imagens. Mais do que isso: escamoteiam o facto de um ecrã (televisivo, cinematográfico ou de telemóvel) ser sempre um instrumento de conhecimentos cujo funcionamento importa compreender e interrogar.”

 

Citação retirada do artigo Os ecrãs da Casa dos Segredos, de João Lopes/Crítico (Diário de Notícias, 30 de Setembro de 2014)

Share:
Read More

sábado, 27 de setembro de 2014

FELIZMENTE, CUIDO BEM DO MEU MAU-FEITIO…

 

Não me abastardo em pensamentos que descansam e se deleitam no recosto das profecias. Daí, a minha forte descrença e suspeição por um qualquer profetismo, seja ele qual for, e que me levam, isto posto, à radical rejeição dos idealismos a que aquelas, as profecias, se prestam.

 

O que é a inteligência, o que se pode admitir como briga e o que se deve considerar desnecessário? Por mim, o silêncio é (e será sempre) resposta ao que não vale mesmo nada tendo em conta a materialidade em jogo. Todavia, nem sempre o que parece evidente como irrelevante é insignificante. O "pronto-a-repetir", circulante e dominante, alimenta uma acrisia ideológica que importa esgrimir. Assim não se sendo, o silêncio tornar-se-ia cúmplice e a involuntária aquiescência abdicação. Seja qual for a escala e o lugar da cena, prefiro tourear o escolho de ser acusado de tonto (embora íntegro e de corpo inteiro) do que me mostrar inteligente num suposto regime de part-time do enfatuado (mas execrável) bando elitista do politicamente correto. Aliás, só assim penso respeitar o Outro, mesmo discordando dele em absoluto. Apreciar, comentar e ajuizar as presumidas conversas-da-treta é recusar, por controvérsia, o tedioso tretear das nossas incontornáveis circunstâncias e do consequente e depressivo depauperamento relacional e ético das nossas vidas.

Como eu agradeço à minha avó paterna, de nome Justina, os genes legados daquele seu (hoje meu) mau-feitio que me protege e não só! Um mau-feitio que escora em mim o sentimento saudável de me sentir sempre presente e, sobretudo, verdadeiro.

Share:
Read More

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

O SEQUESTRO CAPITALISTA

“O capital sequestra os assalariados individualmente, uma vez que a venda da força de trabalho é a única solução praticável numa economia de trabalho dividido onde ninguém pode prover os requisitos da sua produção material fora da troca mercantil. Quando o acesso à moeda é o ponto de passagem obrigatório da simples sobrevivência, e quando este acesso só é possível sob a forma de salário, percebe-se que o fundamental do salariato é uma pistola encostada à cabeça. Por vezes, os assalariados esquecem-se disto – a tal ponto que semelhante representação lhes parece exagerada –, porque o capitalismo teve o cuidado de enriquecer as suas existências laboriosas com afectos geradores de alegria: uns extrínsecos, ligados ao consumo; outros intrínsecos, ligados à ´realização de si` no trabalho. Mas também lhes acontece serem brutalmente recordados, quando as máscaras caem e o assédio, ou o despedimento, se instalam sem rodeios”.

Citação retirada do artigo A esquerda não pode morrer, de Frédéric Lordon (LE MONDE DIPLOMATIQUE, Setembro de 2014)

Share:
Read More

sábado, 20 de setembro de 2014

CONTRABANDO OU APENAS GENTE DE MÁ NOTA?

Com suposto espavento, lê-se hoje nos jornais algo que em nada me faz pasmar. Não examinei o agourento relatório, não desenleei (como é óbvio) os dados proporcionados, apenas me acareei com os supostos – embora indecorosos – sintomas prefaciados. Advertem estes que se inflacionam as notas e se aumentam as retenções tudo em nome da busca divulgada (não necessariamente real) do “valor”, da “verdade” e da “qualidade” das organizações. Por mim, questiono-me, isso sim, como é possível tal sobressalto numa sociedade que, com entusiasmo untuoso, simboliza o rico[1] e que, com igual nitidez e nexo, se deixa enfastiar com a faina de sindicar as receitas de que esse rico se serve para, sem pudor, mais enricar? Pergunto-me, também, como é aceitável tal alarme mediático numa cultura que se inebria, com arrebatada saloiice, com toda a espécie de rankings, onde o digno não se diferencia do merdoso e (sobretudo) ignora, talvez deliberadamente e com uma assombrosa tranquilidade moral e intelectual, as mais que duvidosas, parciais e suspeitas fórmulas utilizadas na legitimação dos seus inconfessáveis pressupostos? Se a classe média se tem vindo socialmente a eclipsar, por que razão não acontecerá o mesmo a esse análogo estrato escolar. Em nome da excelência educativa proponho que a fatídica fronteira do 10 se mova, de uma vez por todas, para o excelso 16. Desentulhava-se a vida das (e nas) escolas e transparentava-se o contrabandismo que o sistema de ranking escolar cauciona, ratificando-se (sem artifícios sombrios) o campo escalar da batota ideológica, política e institucional.


[1] Entenda-se, sobretudo, por rico a jactância do capital social, aquele que se entretém a jogar no tabuleiro execrável da “destruição criativa”, no sentido que Frédéric Lordon lhe confere (LE MONDE DIPLOMATIQUE, de Setembro de 2014).

Share:
Read More

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

O COMUM DA INDIVIDUALIDADE

 

Neste lugar tornado gritoeargumento, devo confidenciar que tenho um avinagrado vício libertário de transverter as solapadas razões que – num quadro aprontado de noções-feitas – malevolamente habitam o meu/nosso quotidiano, procurando assim, apesar das minhas manifestas e confirmadas limitações, desnudar as intransparências que, não por acaso, nelas se inscrevem e, dessa forma, teimosamente embaçam a minha/nossa compreensão. É, confesso, um reconhecido vício na medida em que me sinto amiúde tresmalhado na caprichosa busca desse porvindouro entusiasmo de compreender, compreensão essa supostamente firmada, assim presumo, nas leis naturais da matéria e da mente e sobre as quais a minha saúde – mental, emocional e de bem-estar – parece depender.

Porém, a dita e obstinada indagação não é mobilizada por um qualquer intento pessoal de extravagância ou originalidade mas, ao invés, move-se na ânsia de escapar à imediatez fenoménica das representações que alinhavam o imperante e expedito sentido do adotável e do socialmente acomodado à ordem cultural/ideológica prevalecente, fazendo-se esta, por ausência ou negação crítica, cúmplice entorpecente deste concerto capitalista, indesmentivelmente kafkiano e socialmente miserável[1]. Acompanho aqui Ernst Bloch quando ele afirma que pensar significa transgredir, ou seja, creio eu com a prudência devida, que tal aforismo sugere a ousadia de nos embrenharmos (para além do sancionado que se repete sem tino) no terreno exigente da materialidade das relações que escoram a compreensão enquanto necessidade epistemológica e que, nessa qualidade, esse saber não deixe de favorecer (e assim facultar) o exercício do seu lógico e coerente ofício, não só no plano da crítica como na arquitetura do fundamento preconizado, quer através da argumentação que se sustenta, quer no decurso da ação que o esclarece.

Pensar dá muito trabalho mas, do meu ponto de vista, aliás já implicitamente indiciado, não há outro jeito senão pensar com radicalidade (e determinação), capturando as coisas pela raiz, sob pena de empedernir a débil docilidade conformista das nossas existências. É preciso (assim) pensar, indagando e aproveitando os resultados da ciência que no terreno e para o terreno se faz. É preciso pensar, instilando as suas múltiplas e benéficas malvadezas, com pertinência e critério, na quietude certa dos roteiros martelados e recalcados e, en passant, com saber e inteligência, livrar-se da saloiice intelectual dos achadismos atoleimados ou dos sidéreos e ociosos diletantismos. Hoje, mais do que nunca, urge convocar o exercício de um pensar que se agite na demanda de um saber fundamentado (e grudado) nas (e às) realidades que interessam compreender, de modo a cimentar perspetivas, estabelecer estratégias e gizar comportamentos políticos (e outros de manifesta implicação prática nos revolucionamentos necessários ao incremento de uma sociedade mais justa e transparente e estruturalmente mais humanizante. A verdadeira obra da nossa individualidade passa por aqui, ou seja, ela arquiteta-se através da forma como nos posicionamos nesta paradoxal moldura entre a facticidade (o facto de não prescrevermos as nossas próprias especificações primordiais), a nossa natureza histórica (a inescapável historicidade que nos esculpe e inspira) e a liberdade indeclinável que a nossa autoconsciência e imaginação, faculdades intrinsecamente humanas, nos proporcionam. Eis o trágico desafio de uma obra tornada drama pela impossibilidade de, desse desafio, não nos podermos desobrigar.


[1] O que nos oferece este concerto? Uma miséria absoluta da maioria da população mundial que testemunha, estranhamente submissa, à ostentação da riqueza por parte de uma minoria vampírica que a esbulha; uma superprodução de mercadorias onde a maioria não acede aos bens básicos e essenciais; a marginalização, convertida em racismo social, de jovens, desempregados e velhos nos países ricos; o crescimento do emprego precário e da própria desqualificação profissional face à introdução das novas tecnologias e das suas aplicações afrontosas ao trabalho e ao desemprego; a expansão da violência e da criminalidade, designadamente nas grandes urbes, entre outras desventuras…

Share:
Read More

sábado, 30 de agosto de 2014

POLITIZAR (OU NÃO) OS FAMIGERADOS “MEETS”?

 

Tomando aqui de empréstimo o excelente artigo de opinião de Elísio Estanque Performances de irreverência[1] – e embora ousando utilizar deliberadamente uma expressiva mas pessoal e intencional liberdade de escrita – procurarei não abastardar, no essencial, os lineamentos interpretativos do autor sobre as recentes e emergentes ocorrências designadas por meets, enquanto lugares de encontro (sobretudo) de jovens, em determinados espaços públicos, propagandeados através das redes sociais.

O sociólogo começa por convocar a nossa atenção para as temáticas da concentração urbana e da sua lesta evolução, aventado determinadas causas e consabidas consequências (para e) do fenómeno. A persistente revalorização do território, num quadro de planeamento ausente e de políticas de inclusão ineptas, constitui assim, do ponto de vista do sociólogo, um inegável fator responsável pela instalação desproporcionada de periferias degradadas, convertidas em acavalados albergues de gente socialmente desfavorecida e carenciada.

A esta marginalização assim configurada fisicamente, e assim certamente vivenciada, acrescem os mimos preconceituosos e altaneiros da sociedade que se autorreconhece estimável, acicatada – essa indisfarçável discriminação – pelos agastados sentimentos humanos de exclusão, quer do usufruto de infraestruturas, quer do acesso a padrões de vida com a marca da classe média, num contexto de massificação dos consumos e de crescente individualização das relações sociais.

Por outro lado, e em articulação com os sentimentos de desencantamento decorrentes de uma marginalização sofrida como arbitrária e indigna, o consumismo exabundante, para não o considerar de impiedoso neste clima de provações, e a vulgarização da parafernália eletrónica, arquitetam o pastoreio relacional e comunicativo pelas redes sociais, em especial junto dos jovens, que a estes proporciona um sentido, diria de natureza operante, ao conceito de comunidade virtual que, verdade seja dita, se torna compensativa (porque sentida) do deslaçamento tendencial da sociedade.

Todavia, a exulceração desse tipo de racismo (sobretudo reativa à afirmação sobranceira de superioridade social), coligado ao vazio da virtualidade comunitária, diligentemente espicaça a vivacidade inventiva desse sentido, destinando-lhe uma fisionomia materializada através do deslocamento, desse corpo social, da esfera privada para a ocupação das ruas, praças e outros espaços públicos.

Posto isto, poder-se-á presumir que se assiste a uma modalidade supostamente astuciosa de protestação ao uso livre do espaço público, alardeando a sua condição social como arma de arremesso aos acomodados e instalados do status quo, tendo como propósito a condenação ressentida da hipocrisia dos valores burgueses e da injustiça de uma riqueza ostentadora perante a miséria dos pobres.

Neste enredo caldeado de performance e insubmissão, busca-se (decerto) uma identidade coletiva ameaçada que se metamorfoseia numa simbiótica luta geracional e de classe em que o cinzentismo do bairro sobe ao palco público (mediático) da picardia exibindo, de modo vivaz, o fulgor do anonimato decursivo da sua deserdada realidade. Apesar de se situar no plano da interpretação de sinais, Elísio Estanque contraria, e bem, neste seu (con)texto, a presente despolitização da sua ciência, esboçando causas e aflorando, sem subterfúgios, o incontornável e necessário questionamento político. Estou com ele.


[1] Público, 26.08.2014

Share:
Read More

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A VIRTUDE DESALMADA DO MEDO

 

Não é forçoso ser-se uma sumidade para caucionar que o homem, como ser pensante que é, se desdobrou ao longo dos tempos através do pensamento. Por conseguinte, se o pensamento teceu a sua exercitação, a liberdade de pensar faz-se seguramente exigência da humanização do seu ser. Adversar essa liberdade é inegavelmente impedir assim o aperfeiçoamento humano. Deste modo, os medos irracionais, que intencionalmente se instilam no homem, inscrevem-se nessa adversão. O medo dos deuses faz parte dessa irracionalidade onde se firmam as raízes psicológicas das religiões e dos seus arcaísmos filogenéticos. Deste jeito, libertar a humanidade desses medos passa por harmonizar a sua razão com a ciência abandonando o cativeiro das sombrias crenças desse divinizado temor. Eis a insuperável contenda entre a religião e a ciência. As aclarações naturalistas das ocorrências da vida impacientam, deste modo, manifestamente as religiões. A ciência, através da sua investigação e evolução, abala teimosamente a arrumação das suas essências cognitivas e éticas. Exaltar a liberdade de pensamento é, acima de tudo, enaltecer a virtude da dúvida em prejuízo da inflada virtude da fé. A verdadeira liberdade não é possível enquanto os homens sofrerem desse intrigante medo. Das divindades e de outros espíritos confrades que por aí borboleteiam.

Share:
Read More

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O MM E AS SUAS VERDADES ANTECIPADAS

No dia em que o Tribunal de Contas exibiu os custos da nacionalização do BPN (2203 milhões, paga o ZÉ, e para já, muito por baixo)

 

O termo começo por dizer tem, no plano argumentativo, um sentido lógico mas é intrinsecamente duvidoso que esse pragmático começo ao falante pertença. Somos feitos de história e esta de encontros divididos, uns circunstanciais, outros procurados, outros ainda cultivados. Não obstante a história que nos marca, ela abriga a possibilidade da experiência e mostra-se, apesar da robustez da sua medida, incapaz de aniquilar o nosso desejo de descoberta.

Referida que está a historicidade, especificamente a das palavras e das ideias, e a sua benfazeja permeabilidade, começo então por dizer que o perentório e o decisivo, se por um lado atormentam, por outro, saudavelmente geram insubordinação. Repercutindo Foucault, eu gostaria que o discurso existisse em meu redor com uma transparência calma, profunda, indefinidamente aberta, onde os outros respondessem à minha expectativa, e de onde, uma a uma, as verdades se erguessem. Como seríamos nós e o mundo diferentes se as verdades se instaurassem na imanência deste discurso verdadeiro e na possibilidade de o viver e partilhar?

Porém, claramente outra é a realidade. Convivemos com a tartufice da encenação aprimorada na excessiva e educada arte da adaptação, e como bem nos lembra Nietzsche, capaz de virar o casaco segundo qualquer vento. Trata-se aliás de uma faculdade que, no campo da política dependente, submetida e emparelhada, se desenvolve nos picadeiros do disciplinamento partidário, se cinzela nos púlpitos ritualizados das televisões e se afina na escorregadia ambição pessoal.

Engolfado nesse engajado prélio de luzes e saberes, Marques Mendes (MM) é um figurino impagável no jogo da manipulação procurando, através da simulação e da encenação do discurso verdadeiro, catequizar, aliciar e parasitar certos territórios de almas desprevenidas em benefício próprio ou da sua família partidária. Enredado alegremente na praça pública da hipocrisia política, o comentador MM esforça-se, talvez atraiçoado pela sua pequenez física, por se oferecer homérico enquanto apetrecho extremado (e não menos altivo) de um certo controlo ideológico e social dos (e nos) tempos que correm.

MM reverencia, neste particular, o comportamento do Governador do Banco de Portugal mas toca, com o dedo mindinho, no seu pequeno desacerto. Diz ele que Vitor Bento devia ter assumido as rédeas de BES logo que a decisão da sua designação foi sentenciada. Ter-se-ia driblado a traficância de milhões e atalhado a imensidade da desdita. Contudo, MM não deixa de enaltecer Carlos Costa pois, moralizando o escorregão, compreende a sua boa-fé e indulta, deste jeito e com desembaraço, a sua inépcia. MM embrulha, na sinuosidade do método, a verdade do discurso no seu discurso da verdade, acreditando na força mágica do ato da ritualização mediática e na radiância do palco para a abrilhantar. Se o Governador escorregou, MM obviamente tropeçou. A disformidade entre o intimamente pensado e o externamente dito é inegável pela transparente incongruência subjetiva, ao qual se combinam as reais consequências do hiato. Felizmente, muito povo parece ter dado conta da topada!

Share:
Read More

segunda-feira, 28 de julho de 2014

FOI BOM, PONTO FINAL

 

Não fazendo coisas muito incomuns, ao longo destes dias últimos, o meu mundo testemunhou-se um outro bem diferente, pese embora a casmurrice desmedida desse encasulado frenesim tecnológico da parentela. De férias, lá para os lados do sudoeste alentejano, flanei por algumas das suas enleantes praias e arribas, deixei-me seduzir pelo gentio veraneante, escutei atrativas e dispersas falações e, como sempre acontece, embeicei-me com a candura dos meus irrequietos sobrinhos netos. A este respeito, e em apoio da verdade, diga-se que, não me sendo fácil tragar as suas apelantes birras, a episódica fervura daí advinda logo se esfria no bigodear manso das suas vivas e engenhosas arteirices.

Gozando esse clima de refolgo e aconchego, arredado da urdida lógica de exceção que nos manobra, resgatei o sentido da liberdade inteira, borrifei-me para o estado de necessidade ajeitado pela crise e, sobretudo, espezinhei o floreio retórico que emboneca o asselvajado buquê da austeridade. A musculosidade desta politicalha, que cacareja a semiótica mercantil de manhã à noite, não foi capaz de abocanhar as minhas vontades nem os meus prazeres impondo-me os seus sinistros valores da renúncia, da contrição e da frouxidão. Não me importa a efemeridade do clímax. Ter afantochado a requisição civil da política da exceção inteirou esse outro mundo diferente. Acresceu-lhe o seu lado humano, vivaz e afetuoso da amizade e da solidariedade. Foi bom, ponto final.

Share:
Read More

domingo, 13 de julho de 2014

A SAÍDA ASCÉTICA DA INEVITABILIDADE

 

A investigadora Raquel Varela (RV), em entrevista ao Diário de Notícias de hoje (13.07.2014), à interpelação sobre se o PREC não foi um tempo de loucura, responde de modo contundente:

Não. Acho que de caos e loucura só numa visão muito ideológica. A verdade é que não estávamos habituados a que os setores mais pobres da sociedade tivessem um papel construtivo na sociedade como aconteceu na revolução. E o que dizer deste período em que vivemos, com um milhão e quatrocentos mil desempregados e 47% de pobres. É um período de ordem? Essa é – igualmente, acrescento eu – uma visão muito ideológica.

No entanto, não sendo certamente uma ordem moralmente justa, não deixa de ser um desregrado ordenamento onde os valores fundamentais, aqueles que dão sentido à vida e à existência comum e partilhada, estão sendo aniquilados na sua autoridade moral e normativa, deixando progressivamente de ter valor. No fundo, parafraseando RV, este ordenamento não mais é do que a ordem do absurdo em que se torna uma sociedade não pensada para as pessoas mas para os mercados, para a eficiência e para a competitividade.

Porque defendo o postulado de que um mundo humano, e socialmente humanizante, se consolida na significação que proporciona sentido, sentido todavia legitimado na grandeza da tangibilidade desses valores fundamentais, não posso deixar de anuir à crítica feita à absurdidade desta (des)ordem vigente. Sonegando ela – esta (des)ordem – valor aos valores humanos mais elevados é a própria vida que perde valor tal como o mundo que desgraçadamente se apouca nessa eversão. A não ser que nos intimem um outro sentido para o nosso sofrimento cujo expediente tranquilizador se possa entrever nalguma ficção de uma qualquer tentadora transcendência, seja ela política ou divina. Será?

Share:
Read More

segunda-feira, 7 de julho de 2014

O VALOR HUMANO E SOCIAL DE UMA ÉTICA TRANSGRESSIVA

 

O DESPLANTE DE UMA CIÊNCIA COXA

Os tempos e as vivências, no fluir da sua historicidade, amiúde presenteiam-nos com o desvelamento de inusitadas perplexidades que, sujeitas ao crivo de uma empenhada crítica, notadamente denunciam a insuficiência do álgido, embora altivo, conhecimento económico. Despido este de vida e de humanidade, a favor da sua veneta de (querer) ser ciência inteira, relapsamente repele a discursividade humana e cívica, e com ela, a indeclinável presença e inscrição de orientações éticas e morais na colocação em perspetiva da ação política e da sua sustentação ideológica.

O PAPEL DA CENSURA LINGUÍSTICA

A magia da linguagem tem, neste domínio, uma relevância tão crucial quanto engodativa. Não constando do código linguístico dominante e, como tal, hegemonicamente circulante, há palavras que não se falam e que, dessa arte, na circunstância da sua mudez, calam imensos silêncios amordaçados. Outras há que, causticando a ordem instaurada, de imediato são apressadamente objurgadas por impiedade ou descomedimento. Outras ainda, desdobradas no interior de si próprias, confortavelmente se abrigam das significações inconvenientes ou mesmo incomportáveis.

A REALIDADE OCULTA NA SOMBRA IDEOLÓGICA DOS INTERDITOS

Assim, é neste cortejo de firmados interditos que se vai respaldando a lógica intrínseca do capitalismo, ao mesmo tempo que se acoberta a sinistra natureza do seu modelo económico. Ou seja, um modelo onde a exaltação da inovação e da criação do diferente e do opíparo, enquanto pilares consumistas de um desenfreado movimento desejador alienante, coabita impassível e tranquilamente com 1,4 bilhões de famintos espalhados por este nosso e contemporâneo mundo. Em contrapartida, uma outra ideia, de um diferente modo de produzir e de fazer acontecer, que anuncia a sua superioridade pelas suas preocupações éticas e ecológicas, encaminhadas na superação das reais necessidades humanas, constitui – imagine-se – um tedioso anacronismo histórico.

A CRÍTICA NECESSÁRIA À EMANCIPAÇÃO DO DESEJO

Desejar pelo que não se tem, sempre foi (e será) humano e legítimo. Mas na moldura do consumismo capitalista corre-se um sério risco de transfigurar o circunstancial em necessário, voltando-se o desejo contra si mesmo e assim embarcar num tipo de ideologia reativa e contrária à vida, isto é, num caos que interessa, como é por de mais evidente hoje, às governadeiras desta casa neoliberal cada vez mais global. Por experiência própria, e á base de muita bordoada, aprendi que o recurso à afirmação ousada vale bem mais do que a muleta da negação envergonhada. No essencial, descobri que o desejo emancipado ou criador pertence a uma outra ordem que não a do individualismo e da moralidade escrava do ressentimento e da inveja, típica da ideologia cultural judaico-cristã, tão bem caracterizada por Nietzsche na sua Geneologia da Moral. Por tudo isto, urge ser-se corajoso. Urge saber-se trabalhar uma cidadania fundada numa ética consequente firmada na indignação que esclarece e na transgressão que acalenta. Aos mais diversos níveis e nas múltiplas e diferentes paragens onde o humano e o social se podem e devem entrelaçar livre e produtivamente.

Share:
Read More

domingo, 8 de junho de 2014

O QUE TÊM ELES PARA NOS GARANTIR?

No LE MONDE DIPLOMATIQUE de Junho (2014), Maria Clara Murteira (MCM)[1] escreve um esclarecedor artigo sobre a subversão da repartição, enquanto dimensão relevante no domínio das estratégias de desmantelamento dos sistemas públicos de pensões. A articulista começa por elucidar que a ofensiva inicia-se em meados dos anos 70, a pretexto do empecilho que esses sistemas criam à acumulação de capital e ao crescimento económico, para além dos seus execrandos efeitos redistributivos em desfavor dos mais pobres.

Após algumas das experiências de privatização das pensões, designadamente no Chile de Pinochet (1981) e no Reino Unido de Thatcher (1986), o relatório “Averting the Old Age Crisis” do Banco Mundial, publicado em 1994, apresenta-se nesse tempo como uma espécie de bíblia para os seus ascéticos prelados. Os preceitos da sua dogmática enraízam-se, no essencial, nos elevados encargos orçamentais que os sistemas de repartição iriam causar, tendo em conta o fatal envelhecimento demográfico. Prontamente, recomenda-se então a contenção da despesa dos esquemas públicos e, como contrapeso capaz e desejável, o desenvolvimento dos esquemas de privatização e da provisão voluntária. À liderança do Banco Mundial junta-se o FMI e a OCDE nessa imperiosa cruzada de envolvência política.

Em finais dos anos noventa, a partir do interior do próprio Banco Mundial, desperta um certo esmorecimento da apologética sobre a privatização das pensões, intensificada por alguns eventos históricos marcantes, tais como a tentativa fracassada de Bush de privatizar a Segurança Social (2005), a reforma do suposto modelo exemplar chileno (2006) e a eclosão da crise financeira de 2008. Com a queda drástica no valor dos ativos acumulados nos fundos de pensões, a ambiência favorável à teologia da privatização esfria e os chamados “custos de transição”[2] tornam-se um atravanco à ofensiva monetarista pelas suas implicações nos orçamentos públicos e consequentes aumentos na dívida pública a curto prazo.

Assim, neste contexto adverso emergem imaginativas ideias e modelos que favorecem o desenvolvimento da provisão privada, aguardando por melhores e mais auspiciosos tempos para a ambicionada privatização. Duas estratégias assim despontam; (1) a estratégia das reformas paramétricas[3], destinadas a conter a despesa pública e, (2) uma outra, que se consubstancia na conversão do sistema público de repartição num modelo de contas individuais virtuais. A primeira tem como consequência a redução progressiva das pensões e a natural procura de fontes adicionais de rendimento, favorecendo o desenvolvimento da provisão privada. A segunda, evitando os custos de transição, embora continuando a receita das contribuições a ser utilizada para financiar as pensões dos reformados, altera radicalmente a lógica da repartição criando-se a ilusão de [se] contribuir para si mesmo.

Neste entremeio, socializa-se o povo engodando-o com flores de uma retórica própria da esfera do mercado, na esperança de naturalizar a transformação do modelo de repartição, configurando-o à imagem e semelhança dos planos privados de poupança-reforma, declinando a salvaguarda dos níveis de vida na reforma e do seu equilíbrio face aos níveis de vida dos ativos. Sorrateiramente, com pezinhos de lã, é o que vai ocorrendo a pretexto da crise, afastando as pensões dos salários através da redução das taxas de substituição, de novos métodos de indexação e do descartar das pensões mínimas ao valor do salário mínimo nacional. MCM garante, no quadro das políticas neoliberais na União Europeia, que o futuro não será esperançoso pois, assegura a articulista, não é assim possível salvar a Segurança Social.

Sabendo-se que o Partido Socialista assinou o Pacto Orçamental, aceitando acomodar em lei o princípio doutrinário das finanças sãs (o limite de 0,5% do PIB para o chamado défice estrutural), afastando qualquer possibilidade de intervenção do nosso parlamento nacional, ao mesmo tempo que concorda acatar obedientemente a aplicação de sanções pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, poder-se-á perguntar, aproveitando as circunstâncias do confronto interno entre José Seguro e António Costa, como pensam eles combater eficazmente o desemprego e promover o crescimento económico, de modo a aumentar as receitas do sistema e reduzir o peso da despesa em pensões em relação ao produto interno bruto (PIB). Reconhecendo as dependências e as turbulências externas, designadamente no âmbito europeu, não será de bom-tom, agora, reclamar por soluções “irrevogáveis” mas não se pode deixar de exigir, desde já, uma resposta política clara e fundamentada sobre a matéria em apreço. Os pensionistas e reformados, como parte interessada, estarão naturalmente receosos/curiosos e, sobretudo, atentos. Mais, criticamente vigilantes.


[1] Economista, professora da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.

[2] Substituição total ou parcial de sistemas públicos de pensões de repartição por esquemas privados de capitalização.

[3] A redução das pensões concretizar-se á de diversas formas, tais como, aumentando a idade de reforma, alterando os parâmetros da fórmula de cálculo, os métodos de indexação, etc.

Share:
Read More

quarta-feira, 4 de junho de 2014

PRÓS E CONTRAS – UM BREVE DESABAFO

 

Sempre se viveram tempos marcados por veladas perplexidades que, de modo continuado e evolutivo, atraem buscas impacientes de normalidades tranquilizadoras. Nestes encadeamentos de premência, apressam-se as esfaimadas ideologias normativas na salivante busca de cientificidades ordenadoras de convincentes e mitigantes conversões. A singularidade imaginada como anomalia e a natural espontaneidade observada como um desvio, ambas, acalentam o fantasmático que assim preenche e se apodera da caprichosa realidade inevidente.

Isto dito, até o gesto simples e genuíno facilmente se afunda no pecado moral ou na inteligibilidade da patologia. Em última instância, sobra a má educação como atribuição. O humano vê-se, deste jeito, cercado pela soberba do próprio homem e da norma que o poder deste fixa. Através das religiões ou do uso ideológico da ciência em detrimento do sujeito, da sua historicidade, da sua dinâmica pulsional e, sobretudo, das veredas identificativas de cada um.

O desamparo mental do que se admite desconhecer torna-se, por essa razão, em objeto acessível ao despudorado desprezo por essa indeclinável necessidade humana de compreender e de se entender. Por mim, recuso toda e qualquer teoria que não assente no otimismo cognitivo, na liberdade responsável e libertadora e no respeito pela dignidade da pessoa humana. O outro, assim o exige. Não o outro que é apenas um outro. Refiro-me a um Outro que é, tão-somente, um Outro-Eu. Se assim nos conduzíssemos, o essencial reluzente daí proveniente ofuscaria, estou certo, a serventia do acidental na trama interesseira das disputas.

Share:
Read More

segunda-feira, 26 de maio de 2014

AS ELEIÇÕES EUROPEIAS E O REAL EMBARAÇO DA INTERNACIONAL SOCIALISTA

 

“Face à gravíssima crise em que a Europa está mergulhada desde 2008, é preocupante constatar a incapacidade dos partidos membros da Internacional Socialista (IS) para formular e apresentar propostas políticas, económicas e sociais que constituam verdadeiras alternativas às políticas neoliberais que estão a corroer a democracia, o Estado Social e a própria União Europeia”, anota o socialista Alfredo Barroso no seu livro “A CRISE DA ESQUERDA EUROPEIA”.

Mas acrescentemos, dele, outras cortesias condenatórias:

(1) “É um problema que afecta toda a social-democracia europeia” que perante o “evidente fracasso do neoliberalismo” não dá sinal de “uma forte reacção política e [de um claro] sobressalto ideológico”, tornando-se, assim, numa “variante social-democrata do neoliberalismo”;

(2) “Agitando a bandeira da ´modernização`”, a social-democracia anuncia uma “terceira via” apresentando-a com enunciados esclarecedores, tais como: “as diferenças entre esquerda e a direita são obsoletas”, “não há alternativa à globalização neoliberal”, “nada temos contra quem consegue acumular grandes fortunas”;

(3) Para além de uma “´colonização` da sociedade civil por uma espécie de ´senso comum neoliberal`, a social-democracia tem vindo a fazer da “empresa” um “novo modelo do Estado, tal como a ´gestão empresarial`, o novo modelo de direcção dos organismos estatais”;

(4) Elevou, igualmente, o “´homem de negócios` e o ´empreendedor` “à categoria de heróis e exemplos a seguir, e o ´empreendedorismo` passou a ser um termo recorrente …” dos seus discursos políticos;

(5) Evitando um elencar mais exaustivo, uma última fineza; “A chamada ´esquerda moderna` foi-se aproximando, assim, da ´nova direita`, claudicando perante a hegemonia das ideias ultraliberais”.

Após o 25 de Abril, ainda eu era um imberbe cidadão, quiseram-me convencer que a social-democracia não era um fim em si mesmo mas, com toda a certeza, um meio humano, e igualmente eficiente, para chegar ao socialismo. Hesitei, provavelmente mais por intuição do que por fundamento, mas o vigor das dúvidas fizeram-me conservar as distâncias. Ao longo do tempo, os tempos mudaram e com eles, as vontades e os discursos da social-democracia também. O socialismo foi para a gaveta e no seu lugar despontou uma imprecisa gestão do capitalismo com preocupações sociais, através da bondade discursiva de um estado regulador capaz ou, numa fase mais adiantada, de um eficiente estado incentivador e garantidor dos serviços públicos essenciais.

Arrastados pela rivalidade do caminhar neoliberal, descuidaram que esse andar se faz, não tanto pelos caminhos amáveis do capitalismo, mas pelos lugares sinistros da sua essência, assente na exploração do trabalho, na maximização do lucro e no agravamento das desigualdades, e que em muito têm contribuído para um estado de classe, progressivamente mais cínico e forte, ao serviço dos objetivos dos múltiplos e diversos sectores dominantes, em particular do ganancioso e globalizado mundo financeiro.

Deste modo, termino como comecei, citando Alfredo Barroso; “O ´centro do centro` é, pois, um território propício a todas as renúncias ideológicas e abdicações políticas, invocando-se sempre os superiores interesses da Nação, do País ou do Estado, consoante a carapuça que cada partido queira enfiar”. Nesta linha de raciocínio, não posso deixar de me questionar até que ponto esta social-democracia em colapso, e a Internacional Socialista que a emoldura, não são sérios culpados pelo tsunami político e social que a União Europeia vivencia, como os resultados eleitorais de ontem atestam. Não conseguindo capitalizar, de forma convincente, os votos do descontentamento e da desilusão dos portugueses, a vitória envergonhada do PS não escapa, também por isso, a esta crítica de fundo. E é pena.

Share:
Read More

segunda-feira, 19 de maio de 2014

O EPICENTRO DESTE CONTINUADO ABALO SÍSMICO DO EMPOBRECIMENTO

A 25 de Maio, as raízes do meu VOTO

O despudorado palavreado de intimidação moralista, que sustenta a mecânica da austeridade, abespinha. Os seus efeitos molestam. No plano material da economia, a sua capacidade destruidora é indómita. Arrasa a riqueza geral do país, destrói a sua capacidade produtiva, arruína o emprego e destina para o exterior uma parte significativa da nossa minguada riqueza. É neste contexto de austeridade e da sua voraz instrumentalidade, socialmente injusta e regressiva, que o governo PSD/PP se coloca ao serviço de finalidades mais veladas do que reveladas.

Os sistemas públicos de segurança social estão, nesta circunstância, na berlinda deste continuado abalo sísmico do empobrecimento. A pretexto da necessidade de redução da despesa pública, devoram-se direitos e rendimentos e entreabre-se a porta pública à cupidez da banca privada com a doce linguagem da complementaridade e do plafonamento. Para o governo, ajustar consiste em reduzir despesa pública e reformar, deformando o Estado. Para as gentes que trabalha significa cortes salarias e supressão de prestações sociais, acrescidos das truculentas arremetidas à segurança social, à saúde e à educação.

É nesta conjuntura, de obstinada investida, que os sistemas de pensões são tiranizados pelos argumentos tão ruidosos quanto enfezados de proteção às gerações futuras. Os jovens desempregados e emigrados, esses, não são futuro e, pela atual ação política, nem presente são. Os reformados e pensionistas, por sua vez, já foram. São hoje parcela a mais na despesa social pois em nada concorrem para a melhoria da competitividade da nossa economia. Valem, por isso, congelamentos, cortes e confiscos. Assim sendo, fica bem ao governo defender os direitos da geração que há-de vir mesmo que à custa dos direitos daqueles que exerceram o dever solidário com os que lhes antecederam.

A discursividade metafórica do pretenso lenocínio social dos aposentados parece exigir, através desta insistente e tonta balela, direito de cidadania a este vagabundear argumentativo neoliberal. Subverte-se a lógica da repartição solidária agitando as bandeiras da insustentabilidade financeira, das criancinhas que insistem em não nascer e dos velhos que teimosamente se aferram à vida, espalhando aos sete ventos a ruína do Estado Social ao mesmo tempo que, assistindo de palanque, o mercado aplaude mostrando-se presente para patrocinar as complementaridades necessárias.

Fazem-se cálculos, procuram-se convergências, trabalham-se limites, introduzem-se fatores e inventam-se taxas, tudo isto acompanhado de outras tantas tentativas bondosas, embora felizmente fracassadas, de empobrecimento das gentes de um país vozeado, por alguns, como cada vez melhor. Estes tratantes fingem ignorar que a solidariedade entre gerações funda-se num princípio que dimana de contribuições pagas sobre os rendimentos de quem trabalha e que a condição essencial para a sua sustentabilidade passa, naturalmente, por mais emprego e melhores salários. Ou seja, passa por uma mudança inequívoca nas políticas económicas que apadrinhem tal desiderato. As eleições europeias de 25 de maio podem, de imediato, nada resolver. Com toda a certeza, porém, podem ajudar. Talvez mais do que se possa pensar. Sinceramente, estou nessa.

Share:
Read More

quarta-feira, 14 de maio de 2014

CUMPRIR O DEVER HOJE, PARA GARANTIR O DIREITO AMANHÃ

Eis o princípio original de um sistema de repartição socialmente solidário

Em bom rigor, pensar e desdobrar uma problemática obriga a um talhar conveniente pelas articulações certas. Sem doutas presunções, apenas com a elementar prudência intelectual, apresentarei aqui, como ponto de partida, uma parte pertinente de um argumentário, que suponho basilar, para aclarar o modo como as políticas que adotam extensamente a austeridade têm como efeito, entre outros, pela ideologia e pela ação, desacreditar e desmantelar os sistemas públicos de pensões.

Neste brevíssimo escrito, pretendo apenas chamar a atenção para a importância do sentido que se abraça quando se representa o esquema de repartição – e não de capitalização, entenda-se – que apoia a visão da natureza da instituição-repartição. Deste modo, interessa esclarecer sobre o que institui ela? A transferência, por cada geração e numa perspetiva individual, do rendimento no tempo (modelo 1) ou, a partilha solidária do rendimento corrente entre gerações, ou seja, entre os trabalhadores no ativo e os trabalhadores reformados (modelo 2)?

A clarificação desta posição de partida não é de modo algum indiferente, quer no desenvolvimento lógico e argumentativo, quer nas implicações e consequências do modelo adotado. Bem pelo contrário. O modelo 1, ao assemelhar-se a um esquema de poupança-reforma, de implicação individual, oportuniza a emergência de uma semântica harmonizável com as ideias de poupança e de segurança e, em consequência, ativa um tipo de subjetividade que a legitima e, sobretudo, a naturaliza. O modelo 2, por sua vez, coloca-se na orbe da solidariedade entre gerações e da natural e necessária responsabilidade social que a escora, tendo presente que um trabalhador quando contribui, não o faz para financiar a sua pensão futura mas sim concorre para a sustentabilidade das pensões de reforma dos seus contemporâneos.

Pois bem! O modelo 1, hoje tendencialmente apadrinhado pelas políticas liberalizantes, tem vindo a impor-se progressivamente como referência dominante na análise e definição das pensões, enfatizando-se a ideia de que cada geração, no período de atividade, deve contribuir de modo a alcançar, aquando da reforma, uma prestação futura, em termos de valor, equivalente. Como se pode facilmente apreender, esta visão avizinha-se da lógica dos esquemas de capitalização que, de modo desinibido, hoje se vai acomodando na mesa das negociações. Subjacente a este artifício persegue-se, importa sublinhar, uma validação com base no isco ideológico de que o trabalhador deve acumular recursos para financiar a sua própria pensão.

Por sua vez, o modelo 2 situando-se no campo da solidariedade geracional, assenta no dever de contribuir previamente para financiar as pensões dos reformados das gerações precedentes, justificando e legitimando deste modo o direito de receber uma pensão no futuro. Trata-se pois de um contrato social/geracional que ao Estado cumpre regular, criando as condições que garantam e assegurem o seu financiamento, nomeadamente pelos trabalhadores e os seus empregadores, não desrespeitando ele próprio as suas obrigações no que concerne aos trabalhadores da administração pública, de modo a proporcionar ao reformado uma taxa de substituição humanamente condigna, tendo como referência o seu anterior rendimento salarial.

Em síntese, a lógica solidária da repartição tem por base a riqueza criada, o rendimento do trabalho e a sua redistribuição sob a forma de prestações sociais, de acordo com regras claras a que se deve submeter a distribuição e partilha no todo social. Pelo que foi dito, e em jeito de conclusão, é assim óbvio inferir que o financiamento das pensões não está dissociado da produção e, naturalmente, da distribuição de riqueza e das respectivas circunstâncias económicas, sociais e políticas. A destruição atual em matéria de criação de riqueza, de emprego e de capacidade produtiva, aliada à transferência de rendimento nacional para o estrangeiro, através da irrevogável dívida, mostra à exaustão que o tema das pensões é, acima de tudo, um problema mais vasto de natureza política que importa alterar, designadamente nos campos económico e social. Através da ação crítica, não desdenhando da pertinência discursiva que a conduz e a fundamenta.

Share:
Read More

sexta-feira, 9 de maio de 2014

UMA SAÍDA LIMPA OU … UM BECO SEM SAÍDA?

 

 

Beco sem saída.
Beco sem saída?
(...)
Levanta-te meu Povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta  é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.

(Do Soneto do Trabalho, de Ary dos Santos)

Retirado daqui

Outras andaduras me têm recreado em desfavor destes meus catárticos apontamentos. Hoje, como habitualmente, acordei bem-disposto e com uma vontade distendida, diria quase selvagem, de fantasiar um mundo ao meu jeito. Neste meio tempo, ao sair de casa, pulsou em mim, por inesperado, o sobressalto de um inconfortável desprazer. O sol não se quis aliar ao ideado devaneio e a friagem do tempo acolitou, quase que de imediato, o esmorecimento do meu inicial e determinado intento. Entreguei-me, todavia, ao rotineiro sabor da “bica” matinal e ao costumeiro descamisar do jornal diário onde, em nada me reanimando, ensecou, de uma vez por todas, a vitalidade do meu auspicioso espertar.

Já azedado, a sempiterna e desapiedada mesmice mediática não me poupou, trazendo-me à leitura gente (falsamente) moralista que reitera em aparecer e comparecer para acidar a minha alma e ensaiar trapacear a minha inteligência. A austeridade, enquanto representação, na base da sua familiaridade doméstica, saltita assim do editorial para as mais diversas e mágicas notícias e destas para os escritos argumentativos que, pela persistência e repetição, têm por incumbência estender e consolidar a opinião que importa. Se a busca da verdade constitui uma infinda e laudável empresa ética e epistemológica, o dizer-verdadeiro não pode deixar de ser a sua condição necessária.

Por isso, é na penumbra desta meia-luz que acontece a transmutação da controversa e disputada natureza da austeridade. Dispõe-se dessa ambivalência e dá-se a volta a uma interpretação de vinculação moralista tornando-a, apesar do seu minguado conteúdo substantivo, numa conveniente e conivente máxima económica. Se esta proposição acarreia consigo algum crédito, importa então sondar a ideia de austeridade e desenredar a instrumentalidade da sua relação com a economia, tendo presente o pensamento que a avaliza e a redefinição das relações fundamentais da organização da sociedade que ela agencia.

A austeridade ao serviço de uma economia política tem apenas uma saída que é, bizarramente, o seu nuclear mas inconfessável desígnio. De acordo com a sua pertinácia ideológica de derruimento social e económico, persegue-se a desvalorização do trabalho, a reposição de uma economia alicerçada nos baixos salários e embarga-se a possibilidade de evolução das economias periféricas face às economias centrais. Deste modo, firmar as disparidades estruturais é o propósito, cimentando, como é óbvio, dependências funcionais de meros abastecedores de trabalho barato, ao mesmo tempo que se procriam dóceis hospitalidades para os excedentes superavitários dos poderosos. Para tal, a austeridade não é mais do que um marcador que vai redesenhando, limpinho, os horizontes políticos e económicos do futuro. De um futuro, afinal, que mais não é do que um beco sujo sem saída.

Share:
Read More

quinta-feira, 24 de abril de 2014

A LUTA NÃO PODE ENTRAR EM GOZO DE UMA QUALQUER SABÁTICA LICENÇA

 

As boas e veneráveis liberdades do liberalismo são as serventuárias liberdades que assistem o Capital e cuidam da acumulação que o abriga e opulenta. Em jeito de refutação, as liberdades auspiciosas à elevação da dignidade do Trabalho, por sua vez, interessam aos cidadãos em geral e aos trabalhadores em particular. Abraçar ambas tem sido a bandeira da democracia (designadamente a social) e, como tal, o seu excelso intento. A atual crise exibe-nos, todavia, a verdade mascarada mas irrefreável do capitalismo e da sua inumana faceta, sempre violenta e moralmente dissoluta.

Para tal, hoje mais do que nunca, descarna-se a democracia mas protege-se, como convém, o seu esqueleto encoberto em múltiplas e torpes sombras. Chegados a este inaceitável ponto, como pensar tão manifesto e devastador absurdo? Se fui tendo, ao longo do tempo, como certo que a dança da alternância, e das suas sedutoras cadeiras, não era mais do que uma variante aformoseada da mesmidade, estou agora declaradamente convicto da urgência de provocar uma transformação ousada desse mesmo, acriminando a contumácia da ignóbil batota politiqueira.

Assim sendo, importa alargar limites e tudo fazer para corrigir matricialmente a forma de instituir e de organizar a recriação de um novo e diferente viver para as nossas sociedades humanas. No mundo globalizado de hoje, a tarefa encontra-se cercada e minada por uma enrolada e, sobretudo, por uma pervertida e estudada complexidade. Saber onde tocar, e sobre o quê, torna a luta a travar bem mais delicada e, deste modo, a construção e a organização da alternativa necessariamente mais problemáticas. No entanto, não se vislumbra outro caminho. Sobreviver não é viver e, muito menos, pode significar a desistência de viver. Logo, nestas circunstâncias, e tomando de empréstimo uma expressão de Barata Moura, a luta não pode entrar em gozo de uma qualquer sabática licença. Por isso, mãos à obra e briguemos pela Vida reabrindo, como diz o poeta, as portas que ABRIL abriu.

Share:
Read More

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A LABORIOSA LIBERDADE DE VAGABUNDEAR

 

O meu íntimo, embora saturado de um labiríntico de afetos e pensamentos associados, desafia-me a viajar por minha conta e risco, liberto do olhar sentinela dos poderes expansivos e das violências intrusivas de um qualquer Outro, quiçá desorientado no interior túrbido da sua impulsiva presunção. Destes abanões, com o tempo aprendi a livrar-me instintivamente da mesquinhez de uma universalidade socialmente inventada e da mediania de um senso comum adormentado na desnaturada sujeição que a encaminha. Por esse motivo, nesse meu recanto íntimo, guardo este lindo poema de Manuel da Fonseca, com que uma sábia e sensível amiga , num dia de penoso desencanto, me soube reconfortar.

 

 

O VAGABUNDO DO MAR

 

Sou barco de vela e remo

sou vagabundo do mar.

Não tenho escala marcada

nem hora para chegar:

é tudo conforme o vento,

tudo conforme a maré...

 

Muitas vezes acontece

largar o rumo tomado

da praia para onde ia...

 

Foi o vento que virou?

foi o mar que enraiveceu

e não há porto de abrigo?

ou foi a minha vontade

de vagabundo do mar?

 

Sei lá.

 

Fosse o que fosse

não tenho rota marcada

ando ao sabor da maré.

 

É, por isso, meus amigos,

que a tempestade da Vida

me apanhou no alto mar.

 

E agora,

queira ou não queira,

cara alegre e braço forte:

estou no meu posto a lutar!

Se for ao fundo acabou-se.

Estas coisas acontecem

aos vagabundos do mar.

 
Share:
Read More

domingo, 6 de abril de 2014

A REALIDADE DA SERVENTIA

 

Participar não se esgota na mobilização. Mas sem esta, é duvidoso que se impulsione a participação. Todos (uns mais, outros menos e alguns absolutamente nada) queixam-se da apatia política. Mas há os que, exaltando-a na cobardia do silêncio, acham que a participação não é propriamente um bem. Pelo contrário – o seu excesso encoraja o conflito social e torna a democracia ingovernável. Nesta escurecida atmosfera, o neoliberalismo encontrou a sua solução. Arruinou um Estado (o Estado Social), erguendo, em substituição, um outro vergado aos mercados (leia-se ao Capital) e, em sequência, transformou-o num obediente regulador absconso e blindado ao controle democrático. Só assim se apreende a legitimação na imposição da austeridade cega, no desdém pelas promessas eleitorais e na canalhice institucional face ao Tribunal Constitucional. Alguém tem dúvidas deste aprisionado percurso ao projeto político de destruição progressiva da democracia? Uma coisa é certa; a apatia política é, para esta gente, a expressão triunfante de um eficaz e oportuno grau de aprovação das suas políticas. Lamento o desabafo, mas aqui reside esta minha desgostosa e angustiada crença!

Share:
Read More

sábado, 5 de abril de 2014

UM DESABAFO SOBRE OS HOMICÍDIOS PASSIONAIS E O CORREIO DE TODAS AS MANHÃS

 

A paixão afronta sempre a desprotegida (ou desprevenida) razão castigando-a com a impenetrabilidade estranha, e quase sempre espinhosa, de um caudal complexo de sentimentos contrastantes. No entanto, talvez ainda bem que assim seja pelo desafio incontornável que coloca à presunçosa, embora vulnerável, condição humana. Como é evidente, sempre se sente um deleite aprazível em estar apaixonado, sucedendo, não obstante, e no silêncio de noites mal dormidas, que a emoção rejubilante que se experimenta, afinal, não depende só da nossa vontade e, talvez por isso, cedo se adivinha reiterados e intraduzíveis sofrimentos. A assertividade do consentimento, ou mesmo da liberdade que a ele se alia, logo se emudece na presença viva, e sobretudo agitada, dos sentimentos e das emoções que na paixão se ocasionam.

No entanto, a razão avisada, pela prudência da experiência e do testemunho, não esconde a intensidade da paixão, não mente sobre a possibilidade da sua efemeridade e, sobretudo, não se afadiga em alertar para o achaque primitivo da sua eventual exclusividade. Contudo, nestas circunstâncias, a unilateralidade pode levar-nos mais longe e tornar o objeto da paixão insubstituível e, como tal, originar uma dedicação obsessiva que nele se vai esgotando doentiamente. A paixão é um sentimento tão encantador quanto incerto e, por conseguinte, capaz de aturdir o lado racional dos apaixonados, abrindo um obscuro caminho à inconsciência da potencial violência das emoções (e dos ciúmes em particular), ao arruinar neles qualquer referência ética ou moral. E a partir daqui, tudo é possível. E é neste “tudo” que pode permanecer o medonho da história que tão bem acasala com a ganância de um certo e bestificado jornalismo.

Share:
Read More

terça-feira, 1 de abril de 2014

UM ENCENADOR CONVENCIDO, NUMA TRÁGICA COMÉDIA

 

Passos Coelho, ontem no Europarque, em Santa Maria da Feira, avisadamente não chalaceou com a supina piada de que neste Portugal-melhor existem pessoas que se obstinam em continuar pior. Absteve-se do ridículo representando-o pela fabulação de um amanhã que luz nos confins desta trapaçaria sem fundo. A exaltação inicial, de que o pior já havia passado, logo se embaciou num futuro assombrado pelas dificuldades que, por pirraça, teimam em não se retirarem de cena. Por isso, condoído, Coelho gostaria de entusiasmar mas, prudentemente, reconhece os limites da palhaçada. Todavia, tal compadecimento não lhe abala a vaidade pelo que fez e ensinou, ousando sugerir que não vale a pena o zelo de aleitarem outros e diferentes cenários. Apenas e só a peça que está em palco e o contrato do encenador é que valem. Contudo, educado eu na minha visceral radicalidade, enxergo que o competente ensinador/encenador Coelho não tenha historicamente aprendido que, ao pensar-se num projeto alternativo, a raiz dessa ousadia semeia-se num outro solo cuja fertilidade se firma, não no terreno da sua entufada infabilidade, mas, bem pelo contrário, num outro de negação resoluta do “seu” presente.

Share:
Read More

domingo, 30 de março de 2014

DESERTASTE … E VENS AGORA FAZER DOS PORTUGUESES IMBECIS

 

Já não chega um governo, uma maioria e um presidente. Durão quer alongar mais a tríade. Quer um outro governo, uma outra maioria e um outro presidente. Uma trilogia mais alargada, mais funcional e, sobretudo, mais despolitizada. Quer, com o sémen ordoliberal, dar à luz um consenso que descarte o valor do dissenso e o poder constituinte do conflito. Durão quer, no fundo, uma democracia sem substância, uma democracia onde a política se torne dispensável e o direito constitucional intolerável. Uma tríade à altura da austeridade e da agiotagem dos seus propósitos.

Share:
Read More

quarta-feira, 26 de março de 2014

O CÍNICO E INDECOROSO CRITÉRIO DE EQUIDADE

  • ASSENTE NO EMPOBRECIMENTO PROGRESSIVO E GENERALIZADO DAS REFORMAS
  • FUNDADO NUM EVOLUTIVO E DEBILITANTE QUADRO ECONÓMICO E SOCIAL
  • QUE SE CUMPRE ATRAVÉS DE UM AJUSTAMENTO COM BASE NA REDUÇÃO DE PENSÕES
  • E NEGLIGENCIA A FUNÇÃO SOCIAL DOS SISTEMAS DE REFORMAS NA FORMULAÇÃO DAS SUAS POLÍTICAS

 

O desenvolvimento deste tópico é o primeiro de um agrupado de textos que tem como âmago a situação dos reformados e pensionistas. Nesta perspectiva, começo por manifestar, neste escrito inaugural, o meu estado de alma, confessando o sentimento de que a vitalidade de um aposentado radica nos seus elementares e justos projetos futuros com a consciência certa de que, na ausência destes, se avizinhará, com toda certeza, a desistência intimadora de um viver naufragado na intensa e torturante percepção, diria limite, dos naturais limites da vida. Assim, nestas árduas circunstâncias do tempo atual, apenas sobrará ao idoso aposentado o angustiante sofrimento de um sobreviver sem vida, fragilizando-o ainda mais ante os acrescidos e diversos constrangimentos que inesperadamente o atormentam, como sejam os que hoje regressivamente acontecem, no plano social e económico. As políticas de austeridade, obstinada e violentamente alojadas nos rendimentos dos trabalhadores e dos aposentados, em muito têm contribuído para o revés dessa derradeira e vital vontade de pensar e experienciar expectativas futuras encorajadoras.

Para melhor introduzir este resvalar sucessivo do empobrecimento dos aposentados e enquadrar as análises e reflexões que se seguirão, neste como nos tópicos seguintes, tomo de empréstimo um trabalho do economista Pedro Carvalho, publicado em 14/2/2014 aqui , reproduzindo um conjunto de gráficos, claros e convincentes, sobre a evolução dos principais indicadores (macro)económicos, e através dos quais, de um modo simples mas expressivo, o autor nos proporciona um retrato da situação portuguesa em 2013, procurando comprovar as consequências dos impactos da integração capitalista europeia, assim como da afirmação persistente dessa perigosa ideia de austeridade, como muito bem é historiada, por Mark Blyth, no seu convincente livro sobre o assunto.

No entanto, importa esclarecer que o meu propósito, ao longo deste e dos textos que se lhe seguirão, partindo desta presente sinopse, é axiomatizar a ideia de que os cidadãos contribuintes não só não estão a colher a retribuição social dos penosos impostos e contribuições que pagam mas, pelo contrário, nos últimos anos têm sido, isso sim, pelo Estado espoliados dos seus salários e pensões – e parafraseando Lucia Fattoreli, no prefácio do livro de Raquel Varela, QUEM PAGA O ESTADO SOCIAL EM PORTUGAL? em benefício do lucrativo esquema formado pelos bancos, autoridades monetárias e agência de avaliação de risco.

Acrescento, ainda, ao intento acima exposto, um outro propósito particular, ou seja, o de reiterar convictamente que o atual combate sindical dos cidadãos reformados, embora mobilizados pela defesa legítima das suas prestações, esse confronto alarga-se, no tempo, à solidária defesa política de um Sistema Público de Pensões que cumpra, e garanta no futuro, a sua função social de dignificação da condição dos reformados, designadamente dos trabalhadores ainda hoje no ativo. O debate e a ação reivindicativos de agora, enformarão, com toda certeza, a formulação das políticas do futuro, assim como a consequente evolução da configuração da função social do respetivo Sistema. Nesta linha de raciocínio, esta (in)formada convicção procura contraditar a insinuação suja e instrumental de um artificial conflito entre gerações, recolocando a centralidade da análise na crítica das políticas económicas e sociais e, por arrasto e em coerência, rejeitar o populismo dos fáceis egoísmos divisores e dispersivos.

O argumento enganoso respaldado nos privilégios das prestações dos atuais aposentados constitui um teatral embuste, não só por que procura desfocar assim o objeto central da problemática como, lamentavelmente, escamoteia a diversidade das situações, silencia o exíguo valor médio das respetivas pensões e, ao mesmo tempo que abençoa amplas e obscenas assimetrias salariais, desacredita um princípio seu, ou seja, o da justiça comutativa, traduzido no postulado de que cada indivíduo aposentado deve receber o proporcional equivalente ao contributo instituído. A austeridade basicamente assente no corte de salários, das pensões de reforma dos trabalhadores e das prestações sociais não deixa de expressar a indecorosa equidade que procura, no empobrecimento generalizado de quem vive do trabalho, o seu virtuoso embora ardiloso critério.

Assim sendo, passemos então ao enquadramento económico e social de Portugal de 2013, revelando, de um modo esquemático, a evolução dos seus principais indicadores, desde a década de 70 do século passado até aos dias de hoje, para uma melhor compreensão crítica das medidas que têm vindo a ser tomadas face à realidade social e económica dos trabalhadores e reformados e das lógicas políticas que lhes estão subjacentes.

image

Leitura do Gráfico 1

Comprova uma desaceleração das taxas de crescimento do produto de década para década e a sua acentuação no pós-euro (2001-2010) para 0,7% em termos médios, para uma contração de 1,4% após 2011.

 
 
image

Leitura do gráfico 2

Comprova o apuramento de taxas de crescimento, em termos médios anuais, inferiores a 1% na década de 70 até à de 90. Todavia, desde o Euro, a verifica-se uma destruição progressiva dos postos de trabalho.

 
image

Leitura do gráfico 3

Comprova uma desaceleração das taxas de crescimento da produção industrial desde a década de 70, passando esta a um decrescimento progressivo desde o Euro. Como reflexo da quebra da produção industrial, constata-se a confirmação simétrica do défice da balança de bens. A melhoria verificada sobretudo a partir de 2011 que, não sendo resultante do aumento da produção nacional, provém, como parece certo, da política de empobrecimento da grande maioria dos portugueses.

 
image

Leitura do gráfico 4

Confirma uma desaceleração das taxas de crescimento de década para década, com um forte abrandamento na era pós-Euro.

 
image

Leitura do gráfico 5

Confirma que pós 2 anos de austeridade (2011 a 2013), o valor absoluto e em % do PIB vai ser superior, apesar das medidas extraordinárias tomadas e irrepetíveis. Por outro lado, verifica-se que o valor dos juros da dívida pública está, em 2013, ao nível mais elevado de sempre (7,2 mil milhões de euros). Sem os juros da dívida, e tendo em conta as previsões do Orçamento de Estado, teríamos um superavit em 2014.

 
image

Leitura do gráfico 6

Confirma-se que os lucros líquidos, em 2013, aumentaram 4 mil milhões de euros face a 2001. Desde o Euro aumentaram 40% em termos cumulativos. Quanto aos salários, em 2013, o seu peso no produto estava ao nível de 1990, tendo tido uma redução de 2,5 p.p., indicativo de um dos maiores aumentos da taxa de exploração desde o 25 de Abril.

Este retrato mostra, na melhor das hipóteses e com clareza, quem tem embolsado e quem tem perdido com esta política levada a cabo pelos tais bons alunos, embora de maus professores, como diria José Medeiros Ferreira. Ou, em alternativa, levada a cabo por desastrados mas obedientes discípulos de mestres com a qualidade e a capacidade de tornar a União Europeia um instrumento fundamental do grande capital e das suas teorias económicas. Neste mundo revolto, a atual governação portuguesa, no que concerne às pensões de reforma, escolheu peregrinar um caminho único, ou seja, reduzir as prestações dos reformados, colocando a mão do ajustamento dentro dos seus bolsos, assim como dos bolsos da generalidade dos trabalhadores portugueses.

Share:
Read More