quarta-feira, 30 de maio de 2012

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É PRECISO TER LATA E NÃO TER …

 

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O estudo que o atual Governo solicitou ao Instituto Superior Técnico sobre a avaliação do desempenho no mercado de trabalho dos adultos participantes em processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), é claramente uma logração se tivermos em linha de conta a apetecida indução de se aferir (e inferir) a (e da) qualidade do referido processo na sua relação com a empregabilidade e a respetiva progressão salarial.

Como avaliador externo considero afrontoso que um Governo, em vez de explicar claramente ao povo português as razões profundas do desemprego (que tem vindo a crescer assustadoramente neste últimos anos), faça baixa política com as Novas Oportunidades (NO) procurando desqualificá-la de um modo tão grosseiro e indigno, desprezando todos(as) quantos(as) as têm servido e, sobretudo, rebaixando todos(as) aqueles(as) que, designadamente adultos, nelas se reviram e delas recobraram entusiasmos há muito perdidos.

Em vez de melhor estudar com rigor as razões das adesões massivas, das dinâmicas formativas entretanto geradas, das motivações múltiplas e diversas originadas, o Governo (na sua cegueira neoliberal) aproveita as recessões de toda a ordem (do desemprego aos salários) para, mais uma vez, de um modo falso e mesquinho, tornar individual e conjuntural o que todos sabem ser densamente estrutural. Se o Governo considera este critério de “desempenho no mercado de trabalho” valioso, não lhe resta outra alternativa que não seja a de generalizar a sua aplicação.

Mas para além de doloso, este Governo arrasta consigo um outro pecado; é só forte com os fracos e fraco (quando não cobarde) com os fortes. Não terá, com toda a certeza, coragem de embirrar com muitas das outras instituições formativas, nomeadamente universidades, que têm formado supostamente também para o dito “desemprego”. A introdução do documento é uma peça digna de ilusionismo político. Os seus artistas, com uma ligeireza argumentativa descarada, fazem desvanecer o muito que as NO e o RVCC trouxeram de bem, de bom e de positivo e celebram habilidosas prestidigitações no palco da tartufice política. Simplesmente vergonhoso.

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terça-feira, 29 de maio de 2012

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O ELOGIO ANUNCIADO DO POETA

 

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Recordar a propósito do RVCC, advertindo da saloiice revivalista dos tempos que correm…

 

APRENDER A ESTUDAR

 

 

 

Estudar é muito importante, mas pode-se estudar de várias maneiras....

Muitas vezes estudar não é só aprender o que vem nos livros.

Estudar não é só ler nos livros que há nas escolas.

É também aprender a ser livre, sem ideias tolas.

Ler um livro é muito importante, às vezes urgente.

Mas os livros não são o bastante para a gente ser gente.

É preciso aprender a escrever, mas também a viver, mas também a sonhar.

É preciso aprender a crescer, aprender a estudar.

Aprender a crescer quer dizer: aprender a estudar, a conhecer os outros, a ajudar os outros, a viver com os outros.

E quem aprende a viver com os outros aprende sempre a viver bem consigo próprio.

Não merecer um castigo é estudar.

Estar contente consigo é estudar.

Aprender a terra, aprender o trigo e ter um amigo também é estudar.

Estudar também é repartir, também é saber dar o que a gente souber dividir para multiplicar.

Estudar é escrever um ditado sem ninguém nos ditar; e se um erro nos for apontado é sabê-lo emendar.

É preciso em vez de um tinteiro, ter uma cabeça que saiba pensar, pois, na escola da vida, primeiro está saber estudar.

Contar todas as papoilas de um trigal é a mais linda conta que se pode fazer.

Dizer apenas música, quando se ouve um pássaro, pode ser a mais bela redacção do mundo...

Estudar é muito mas pensar é tudo.

 

NOTA – Agradeço à Maria Manuela Freitas, que ontem (28.05.2012) concluiu o seu processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências de Nível Secundário (CNO da BARAFUNDA - Associação Juvenil de Cultura e Solidariedade Social) e no contexto do seu trabalho citou este poema de Ary dos Santos.

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sexta-feira, 25 de maio de 2012

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APONTAMENTOS COM RUMO INCERTO POIS INCERTAS SÃO AS DÚVIDAS

 

educacaoadultos_190Começo por dizer que sou daqueles otimistas, que alicerçado em testemunhos intensamente vividos, entendo que o processo Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) favorece (ou pode favorecer) a criatividade identitária. Todos nós reconhecemos que essa capacidade de nos descobrirmos está estreitamente ligada ao nível e à diversidade dos recursos de que cada um de nós dispõe ou pode dispor. Sejam eles económicos, sociais ou culturais. A fraqueza dos recursos (como toda a gente sabe, até por experiência própria) limita naturalmente a quantidade e a variedade dos si mesmos possíveis.

Esta desmultiplicação de si mesmo, apoiada por recursos suficientes, permite acrescentar novas identidades a um conjunto aberto já diversificado, tornando (assim) a estrutura das personalidades mais ricas e subtis. Pelo contrário, os que têm menos recursos percebem e sentem (com frequência) estas imposições como fatores de intensos incómodos. Qualquer processo identitário supõe distanciamentos (por vezes dolorosos) face às socializações que nos determinaram ou determinam. Esses distanciamentos pressupõem (como é fácil de admitir) pontos de apoio, horizontes de identificação possíveis e recursos adequados que os possam proporcionar.

Sou também daqueles (talvez ingénuos) que acredita que o processo de RVCC pode, neste domínio, produzir trabalho válido. E é neste sentido que vos apresentarei alguns apontamentos em que me apoiarei para alargar um olhar sobre a educação de adultos e do papel que o RVCC pode aqui assumir, na convicção de que para nos fazermos temos de duvidar de algumas certezas e (sobretudo) não recear caminhar para novos rumos, procurando as respostas mesmo que através da incerteza das próprias dúvidas.

1. APONTAMENTO

Os pontos de apoio a um olhar sobre a educação de adultos

Como pontapé de saída, permitam-me que vos exponha uma leitura (minha, naturalmente) de um prefácio de António Nóvoa a um livro de Rui Canário sobre a temática da Educação de Adultos. Ao longo da leitura desse texto senti-me provocado a encaminhar a minha atenção para três elementos que considero fulcrais enquanto pontos de apoio à convocação de um olhar sobre esta realidade, facultando uma visão mais ampla, talvez mais necessária e (sem dúvida) mais disponível para a compreensão e alcance do tema (hoje) aqui em debate.

Quais são, afinal, esses três elementos? Precisamente os elementos tempo, lugar e saberes.

§ Sobre o elemento tempo, o autor leva-me a admitir que a época em que se distinguia o tempo de escola do tempo de vida (ou tempo de trabalho) é um passado que o presente obriga a repensar e, através dessa ponderação, alcançar, imaginar e fazer emergir novas e necessárias ideias e perspetivas sobre as exigências que se colocam à educação em geral e, muito em particular, à educação e formação de adultos.

§ Sobre o elemento lugar, ele incita-me a inquirir como deve a escola, na sua afirmação institucional (aliás) legítima, com um estatuto socialmente justificado e com responsabilidades reconhecidas no campo dos saberes e das qualificações, relacionar-se com outros lugares de educação e de formação, onde as oportunidades educativas acontecem, mais do que se imagina, de um modo igualmente intensivo, útil e marcante sob o ponto de vista pessoal e social.

§ Sobre o elemento saberes, António Nóvoa previne-me, que há muitos saberes e procedimentos que, aparentando ser semelhantes, são claramente desiguais na sua natureza, formando dissemelhanças que convém considerar e reconhecer nas suas diferenças e extensão. Capta-se, de modo intuitivo (e sem correr riscos de aventuras epistemologicamente desnecessárias), que nem todos os saberes cabem no livro da escola nem se produzem nos seus métodos, sem contudo querer diminuir o livro escolar na sua importância, utilidade e autoridade.

2. APONTAMENTO

O homem não é, faz-se … desejavelmente em autonomia, em liberdade e em responsabilidade

Prosseguindo neste desafio dos tempos, dos lugares e dos saberes que fazem (e onde se faz) a nossa formatividade, permitam-me que me reporte agora a José Barata Moura, quando ele afirma que o homem não é, faz-se. Concordando com o essencial da asserção (mas correndo o risco de ofender a sonoridade aprazível da expressão), ousaria acrescentar que não me parece insensato afirmar que o que somos ocorre de uma historicidade feita de muitas coisas, de incontáveis acontecimentos e de distintas circunstâncias que se relacionam e se interligam entre si aparentando (naturalmente) uma homogeneidade que (de algum modo) acoberta os elementos que a arquitetam.

Por isso, nem sempre é claro que, ao longo desses sinuosos caminhos de venturas e adversidades que fazem a nossa história, somos determinados, determinamos e nos determinamos. Ou seja, ante as hesitações deste jogo cruzado de deliberações que nos foi fazendo gente (e que continuará no porvir a fazer-se na presença de novas rotas e improváveis reptos), importa atender e (mais do que isso) reconhecer e estimar esta marcha relacional, contínua e aberta, que incontornavelmente dá forma à orientação do nosso viver.

Ora, a este trabalho de dar forma à orientação do nosso viver julgo que podemos, sem correr riscos de fantasia semântica, chamar de educação. Ou seja, aquela educação que no seu âmago (e de modo incessante) nos conduz e nos compromete frente à sucessão de possíveis que acolhem as nossas opções e realizações. Citando Barata Moura diria que “… a educação é o conjunto interativo de processos formativos que refletem, moldam, perspetivam e (no limite) transformam a reprodução do nosso viver”. Com liberdade, com poder de autodeterminação, no fundo com a capacidade e a possibilidade de se destinar a si próprio.

Assim sendo, a educação ao promover o livre exercício da autodeterminação, não pode ela própria deixar de se constituir num fator revigorante de liberdade. Só assim se pode compreender e com isso aprender a estar em relação consigo, com os outros e com o mundo com autonomia, liberdade e responsabilidade. É nesta perspetiva que educar para não pode realizar-se em desrespeito com o educar em autonomia, em liberdade, em responsabilidade.

3. APONTAMENTO

Das certezas prontas às dúvidas incertas

Exprimir ideias ou pensamentos sobre a temática muito particular da educação de adultos, das suas avaliações e dos seus impactos humanos e sociais, exige o reconhecimento certo de que se invade um universo feito de múltiplos poderes e racionalidades (com os seus dispositivos e mecanismos próprios), constituindo-se numa realidade que, no interesse de a prospetar e analisar, se mostra complexa nas suas operações, natureza e formas de disposição. Deste modo, permitam-me que confesse a desproporção por mim sentida (pela negativa) das minhas insuficiências face à vontade e à necessidade que me anima em querer contribuir, ainda que modestamente, para uma aclaração proveitosa da problemática que hoje aqui nos junta.

Apesar disso, não me parece desmedido ou mesmo imprudente chamar a atenção, numa perspetiva histórica mais alargada, que a escola tem funcionado neste nosso mundo ocidental, como um lugar vocacionado para estruturar íntima e habilmente os saberes com os poderes no sentido de realizar e cumprir esse silencioso propósito de criação de ordens e de representações convenientes para eficientemente educar e socializar o outro (pese embora as suas diferentes formas) e, neste campo, relevar as legitimidades institucionalizadas e convencionadas que se vão estabelecendo (em especial) na construção da relação educativa sobre esse outro.

É deste acinzentado panorama estribado em quietudes de profundidade que surgem as certezas prontas dos múltiplos dogmatismos e, de modo diverso, as certezas prontas das novidades que à superfície sugerem uma visão alternativa da urdidura educativa, de fisionomia aliás sedutora por que firmada e afirmada na sua bondade social e humanista. Assim me situando – e tendo por pressão estas molduras de certezas prontas mas avisado por um saber profissional feito de empenhadas e ponderadas experiências de resistência e de vigilância àqueles apelos de uso fácil – procurarei, como profissional e cidadão, ou seja, com estas dimensões que me fazem o avaliador externo que procuro ser, mais do que afirmar, proponho-me apresentar um conjunto interpelante de questões que busca (na sua intenção) agitar, aclarar e litigar estas esferas das Novas Oportunidades e, em particular, o processo de RVCC.

Mas antes do questionamento, permitam-me uma nota adicional sobre um olhar avaliativo das narrativas autobiográficas. Utilizando uma linguagem específica do campo técnico da avaliação, diria que os seus referidos (enquanto produtos de uma natural e progressiva referencialização) tomam (por vezes e abusivamente) de assalto os próprios referentes dos quais provêm e substituem-nos. De indicadores representativos transmudam-se em pobres essencialidades usurpadas. No processo de RVCC, o diálogo entre os seus referenciais e as suas evidências, organizados numa matriz necessariamente fragmentada, convidam pelo tempo que urge à padronização do processo que tem, como se sabe, princípios orientadores que em nada apelam para esse sentido, tais como, a adequação e relevância, a abertura e flexibilidade e a articulação e complexidade.

UM QUESTIONAMENTO INACABADO

Das dúvidas incertas à incerteza das próprias dúvidas

1. Em primeiro lugar, como se entende a adesão massiva dos adultos à INO (Iniciativa Novas Oportunidades), designadamente no que respeita ao processo RVCC? O que tem até hoje acontecido ou está ainda a acontecer? Com que impactos, com que ganhos e com que perdas? Estar-se-á, como bem questionou (à tempos) o Professor Luís Rothes, em presença de uma revolução silenciosa no mundo das aprendizagens? É justa a crítica quando se afirma que as NO (Novas Oportunidades) apenas apresentam um êxito estatístico sem correspondência substantiva no que concerne à sua qualidade educativa e formativa?

2. Neste contexto, de expressiva adesão (em que o Estado aparece tem aparecido como potencial aliado junto da população menos escolarizada) como se perceciona hoje a evolução próxima, em particular tendo presente o que se vai conhecendo como sendo as grandes linhas do atual Governo naquilo a que ele designa de uma aposta na qualificação real? Como resolver de modo diligente mas responsável os nossos défices estruturais de qualificação e certificação (também no campo escolar) do conjunto da população portuguesa? O que se pode, neste contexto, entender por reconhecimento social (com expressão na certificação) de um percurso experiencial? Falar de equivalência é (semanticamente) ajustado a esse reconhecimento?

3. A produção massiva de certificados escolares constitui um mecanismo renovado de confirmação e reforço das desigualdades ou (diferentemente) poderá favorecer mudanças de natureza social mais comprometidas com os apelos à democratização do campo educativo e formativo, designadamente no que toca à educação e formação dos cidadãos mais desfavorecidos e à referência sempre presente de uma educação que se pretende permanente? Não se estará, nesta Iniciativa, na presença de uma metanarrativa neoliberal indutora da nova ordem educacional assente na hipervalorização de projetos individuais?

4. Sob o ponto de vista institucional deve a Educação de Adultos ser uma margem do sistema ou constituir-se numa modalidade igual às outras? Dever-se-á (então) considerar a Educação e Formação de Adultos como parte integrante do Sistema Educativo, dando-lhe escala que permita essa clara e articulada inclusão? Que avaliação se faz do dinamismo desejável (e supostamente lógico) entre o processo de RVCC e a rede de oferta educativa a ele mais diretamente associada?

5. Na Educação de Adultos (e porque não também no próprio RVCC escolar) deve prevalecer um olhar e uma orientação relativista das competências ou um outro olhar e uma outra orientação que neles inscreva um outro tipo de saberes mais de carácter basilar (que serve de base), transversal e transferencial? Como situamos, no contexto destas controvérsias, as problemáticas que lhe são adjacentes (e subjacentes) da proximidade, da territorialização e da mobilidade?

6. A Educação de Adultos (e aqui claramente o próprio RVCC) deve ou não afirmar-se como um lugar social desafiante de uma cidadania capaz de promover a reflexividade pessoal, trabalhando e apurando as consciências nos planos do social e do político ou a sua ambição encerra-se no meramente técnico e instrumental, balouçando entre um individualismo radicalizado e a ficção globalizada da economia?

7. Como se deve (então) equacionar e problematizar o processo de RVCC tendo em atenção a imperativa dinâmica da sua relação com as aprendizagens e com as formações futuras no quadro mais amplo de uma Educação e Formação que se pretende permanente? Como perspetivar o RVCC enquanto relação e ponto de passagem com (e para um) processo educacional mais amplo e contínuo capaz de (trans)formar as pessoas e as suas condições de existência? Como se entende a acusação crítica do facilitismo reinante e a sua insuficiente resposta no que toca à empregabilidade?

8. Não será desejável, certamente, valorizar o processo RVCC, otimizando a riqueza (in)formativa do balanço de competências (que também o é), tendo em vista futuros projetos pessoais, sociais e coletivos? Não será, por sua vez, desaconselhável o zelo da imobilidade crítica assente na ideia fixa (ou fixada) da avaliação sumativa que se expressa com excessivo enfoque nos diplomas e nas certificações?

9. Como estimamos os referenciais e as evidências que os estabelecem? O que revelam eles e elas (referenciais e evidências, enquanto suporte) que possam favorecer ou inibir novas formas de perceber, perspetivar e agir no âmbito das múltiplas relações de si consigo próprio, com os outros e com o mundo? Que saberes e competências devem ser trabalhados? Saberes e competências necessários a quem e para quê?

10. Como promover a ocorrência de autonomias, neste domínio dos saberes e das competências, tendo em conta as naturais e legítimas dificuldades de nível e qualidade educativa e cultural inerente aos percursos escolares reduzidos da grande maioria dos adultos que se inscrevem na INO e em particular no processo de RVCC?

11. Neste contexto, como percecionamos o fator tempo enquanto recurso decisivo no que respeita ao desenvolvimento e à qualidade do trabalho organizativo, metodológico e pedagógico a realizar, tendo em conta não só as dificuldades antes referidas na sua complexa multiplicidade de aspetos como na sua constrangedora associação à pressão das metas e da respetiva execução ante um financiamento necessário e que dessa mesma execução decorre?

12. Será possível aos CNOS trabalhar com verdade os referenciais de competências-chave (independentemente dos juízos que deles possamos fazer) neste sentido crítico e transformador das pessoas e dos seus contextos de existência? A instância das narrativas autobiográficas não inscreve, pelos propósitos que a validam como método, a exigência simbiótica da reflexividade e da historicidade? Como trabalhar em benefício mútuo estas dimensões fazendo jus à qualificação das autobiografias de reflexivas de aprendizagens?

Aguardam-se respostas neste futuro (também ele) incerto.

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quarta-feira, 16 de maio de 2012

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A PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO E O ESVAECIMENTO DA DEMOCRACIA

 

o-que-fazer-com-a-democraciaA razão deste post alicerça-se no atual modismo neoliberal escarnecedor do valor da democracia, da sua legitimidade e da sua suficiência, designadamente no que toca ao melancólico domínio do económico. No breve escrito que lhe dará corpo esgravatarei essa evidência fazendo uso de um raciocínio lógico e, de modo razoável, brigarei com a suposta superioridade advinda de uma adotada e subtil convicção que aguenta tal presunção. Se escolho o dito convicção (e não um outro qualquer sentimento mais permeável à obscuridade) é por que tenciono mover da argumentação tropelias dispensáveis à narrativa adotada.

Presumo que ninguém minimamente (d)esperto deixa de relacionar dimensões próximas tais como o bem comum, os interesses privados/públicos, a democracia, a economia e a política quando considera algum destas situações em particular. No entanto, se aquela trama concetual se apresenta calma à partida aquando do bate-boca de um qualquer destes tópicos, já a construção argumentativa que dela escapa e a exibição dos juízos valorativos que a substanciam são claramente marcadas pela conflitualidade ideológica incombinável.

Perceber como é que esse dogma venerável da doutrina neoliberal (e por isso para ele indispensável) da separação entre o estado e a economia tem feito o seu caminho de simulada irrefutabilidade constitui, por si, um exercício lógico e filosófico de desconstrução absolutamente urgente neste quadro atual historicamente crítico das sociedades. Da ideia inaugural da virtuosa e saudável concorrência à privatização do estado e ao correlativo esvaecimento da democracia (enquanto instância política) fez-se da neutralidade um fundamento vulpino do método ideológico da dita e glorificada doutrina.

Deste modo, o mimetismo liberal reconhecendo a perturbadora natureza política do estado democrático encetou há muito tempo o seu enfraquecimento presenteando melhores condições à energia do seu dogma na justa proporção que fanava à democracia a genuinidade da sua origem instituinte de ação e decisão políticas. Privatizar idealizando horizontes sem limites inspirava assim invenções que, aparentando culto pela democracia, a pudessem golpear na sua identidade básica e essencial, ou seja, de livremente definir, eleger e realizar políticas em conformidade.

Nesta circunstância, com o pretexto generoso de acautelar os interesses públicos criaram-se as regulações necessárias e com estas descobriram-se autoridades de competência assegurada para as afiançar e as levar a cabo. Afinal duas chagas se aliavam sem que ninguém desse por isso; a livre concorrência não se confinava afinal ao exercício da virtude e o estado democrático persistia no desperdício e obstinava-se numa ingerência imprópria. Agregar então à democracia gente conhecedora que à competente sagacidade reunisse o atributo de técnico não-político seria ouro sobre azul em benefício de todos. O estado democrático dava assim a sua vez, com uma deferência inusitada e perante a sua suposta ineficiência, a um estado abençoado pela regulação.

E é no apetecível reconhecimento deste estado regulador que medra como virtude democrática a neutralidade e se pespega a isenção política como condição conveniente ao exercício dessa cidadania magnânima e sem-par. Como é fácil de captar, uma democracia feita de equanimidades e desprendimentos deste jaez, revitaliza-se naturalmente perante o engasgo comparsa da política. A palavra de ordem “menos política, mais democracia” é vozeada em silêncio embora sem disfarce. A onda neoliberal elege assim as tecnocracias politicamente puras que na presença da privatização do estado têm por responsabilidade não só proteger os interesses públicos como restaurar as deformidades que do tempo democrático dimanam. Como estamos agradecidos e deles necessitados neste magano leilão dos interesses públicos nos eficientes mercados da liberalização. Por isso, bem hajam.

 

IMAGEM RETIRADA DAQUI

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quinta-feira, 10 de maio de 2012

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ADMITINDO AS DIFERENÇAS, TANTO FAZ NA PRAIA COMO NO RVCC…

 

HORIZONTESO processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) iniciou-se em 2012 num contexto social e laboral significativamente diferente do atual, reportando em particular à taxa de desemprego de cerca 5% da altura em confronto com a sua análoga recente que se cifra hoje num valor superior a 15%. Ao convocar o olhar para estes dados pretende-se cotejar realidades e, dessa acareação, tornar mais claro o interesse que as perceções das condições de mercado apresentam enquanto fator condicionante de projetos que, pelo facto de o serem, presumem uma óbvia antecipação incessantemente idealizada.

Sempre considerei (e expresso-o aqui de um modo conscientemente simplificado) que o mérito maior do RVCC não se encerra na certificação em si mas nas múltiplas e diversas agitações que a experiência formadora (inerente ao processo) poderia (e deveria) germinar, designadamente tendo em conta a curta escolaridade da generalidade dos adultos e tudo quanto nesta condição, por conformação, se foi naturalmente incorporando. Se de início assim concebia o RVCC, ao fim destes dez anos de contacto intenso com o dispositivo, as pessoas e as suas realidades e anseios, sem receio de qualquer tipo de imprecaução, não posso deixar de ratificar (hoje) como certo esse meu pressentimento inaugural.

O adulto termina o RVCC sentindo-se com frequência (e manifestando-o por vezes de modo extasiado) uma pessoa diferente daquela que havia entrado. Em abono da verdade, outra coisa não seria de esperar, tendo mesmo em conta que muitos o iniciaram apenas com o manifesto propósito da certificação. Todavia, esclareça-se desde já que esta constatação não retira qualquer legitimidade ao intento, bem pelo contrário pelo que a seguir se procura atestar. Assim, e no desenvolvimento desta confirmação, direi que conhecer o que leva o adulto (após o processo) de diferente consigo é que interessa indagar e aclarar pela sua relevância futura. No entanto, cedendo esta empreitada para outros fôlegos, ousaria afirmar a suspeita de que as fronteiras da ambição dos adultos se foram estendendo gradativamente na justa proporção das descobertas de si que em si habitavam adormecidas e desacreditadas.

Percursos, representações, projetos e investimentos no domínio da formação, compõem um entrelaçado de aspetos que, na sua conjugação gradualmente idealizada, arquitetam as realidades nas quais se inscrevem os rumos possíveis de intensas buscas educativas ou (tão-só) de diligências formativas mais ou menos urgentes. Assim sendo, é na elasticidade deste amplo quadro de expectativas e de possibilidades que se fazem então as motivações, se praticam as atitudes de conquista da obra formativa, se individualiza a perceção da utilidade das suas dinâmicas e se refina a consciência dos recursos para o conseguir. Fazer da formatividade uma estratégia obriga a um instituir que, não desobrigando as referências do passado, as revigora nos horizontes que se futuram. Daí, as mediações, os possíveis e, sobretudo, a importância da bondade das primeiras e da inspiração imprescindível dos últimos.

Chegar ao processo apoucado pela situação de desemprego e ter como horizonte a mesmidade acrescenta às dificuldades congénitas mas desafiantes do processo uma lassidão que atrapalha e perturba o entrelaçamento anteriormente referido. Tudo aparenta menos entusiasmante e, mormente, muito mais desengraçado ao viver-se nessa fronteira que soma angústia a uma esperança tristemente abalada. A racionalidade estreita-se e com ela a energia da reinvenção enfraquece. O peso do passado endurece identidades e sitia os adquiridos, sejam eles feitos de hábitos ou de convicções. O adulto, reconhecendo-se delimitado, escusa a alegria da liberdade no exercício de uma reflexividade que ele sente historicamente marcada e condicionada pela cruciante verdade alcunhada de “falta de emprego”. Pois é. Como se diz nestas circunstâncias, não basta estar numa praia edénica fazendo férias; importa andar animado e apreciar lá estar. Admitindo as diferenças, tanto faz na praia como no RVCC.

Imagem retirada daqui

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segunda-feira, 7 de maio de 2012

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A PORRA DA VELHICE

 

Um elogio a Helena Sacadura Cabral

transferirA “velhice” pode ser uma chateação possível mas as representações sociais que a escoltam fazem dela uma “porra certa” feita de irritações numerosas, algumas delas verdadeiramente sórdidas. O paternalismo desleal e falsamente protetor que a segue (a velhice), como tal, inspira as ditas representações, enjeita nos chamados “idosos” ou “idosas” (por antecipação) potencialidades de natureza diversa e, ao mesmo tempo, reforça o seu poder insistindo (por excesso e sem tino) no peso dos seus limites, das suas doenças ou da sua morte vaticinada.

O percurso lógico começa pelo invento de traços físicos identificadores capazes de marcar as gentes, de fundamentar as diferenças e de fixar os territórios. Deste jeito, geram-se abandonos e favorecem-se exclusões ou inventam-se negócios e criam-se acolhimentos. Em comum, oferecem-se não-lugares, uns formados de perdas inteiras, outros de privações essenciais. Anula-se a importância, golpeia-se a estima e ironiza-se a sexualidade. Propõe-se, no fundamental, em lume brando, uma morte ainda em vida.

Todavia, há sempre quem resista e, neste universo de oponentes, alguns ditos “velhos” ou “velhas” desviantes feitos(as) de tremendas descrenças e enérgicas teimosias. Ao longo da vida, estes(as) instruíram-se (naturalmente) na deserção a muitas normas instituídas e às bondades das categorias em que aquelas sempre os(as) aliciaram e hoje, caprichosamente, julgam ter chegado o tempo certo de os(as) capturar. No entanto, os(as) resistentes aprenderam, como sempre, por manha, habilidade ou inteligência, a navegar em contracorrente nas enxurradas dos binários da simplificação e da classificação com que se formatam as vidas e as existências de muitos(as) e azarados(as) imprevidentes.

Fora assim do enxurro, os(as) desviantes avistam o excêntrico de margens imprecisas e tropeçam em horizontes provavelmente mais salubres e reavivados de possibilidades. Para eles(as), as evidências deixam de o ser na perplexidade que alcançam e no pensamento que os(as) inquieta no estímulo dos progressivos e contínuos achados. Descobrem então que a vida que buscam não está do outro lado da norma mas sim numa reinvenção que rejeita a facilidade da mera e simples oposição à norma. Eles(as) sabem, melhor que ninguém, que envelhecer … lá terá que ser. Contudo, não pelas categorias sociais que eles(as) percebem estranhas e que, pela sua estranheza, mais espontaneamente podem entranhar. Decidem, assim, não murchar antes do tempo, de um tempo que a cada um deles(as) pertence e que a cada um(a) definitivamente cumpre viver.

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sexta-feira, 4 de maio de 2012

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A FOLHA BRANCA QUE NÃO ESTÁ EM BRANCO

 

Texto reformulado

Ao longo deste tempo, na qualidade de avaliador externo, tive oportunidade de ler variadíssimas histórias de vida. Percebe-se que se observa o passado com as referências de hoje e com representações diferentes daquelas que, nesse tempo, orientaram as leituras e guiaram as interpretações das vivências que agora se procuram (de novo) situar e (re)significar.

folha de papel homepen

O peso do passado que se impõe, a convenção que sempre dificulta e a memória endurecida por dizer o dito vezes sem conta, tornam-se embaraços às exigências da reflexão que tem por missão reconstruir, uma vez mais, a história do vivido. As pertenças, as particularidades e os pressupostos, nem sempre claros, marcam a subtileza da reinvenção do relato. A última das compreensões não dispensa, no seu deslizar vacilante, os entendimentos que a precederam num processo reconhecidamente penoso pela insatisfação do que, no íntimo, se mostra inquietante e duvidoso.

A historicidade que situa o testemunho e a reflexão que a completa (por correções e aclaramentos) fazem-se (assim) num movimento de leituras e juízos que a narrativa que se conta procura articular suprimindo vazios e discrepâncias que atrapalham a limpidez da história biográfica. E é no preciso momento da escrita que a dificuldade de escrever numa folha de papel que não está em branco, a consciência desperta para a riqueza do que é perplexo, equívoco e maleável.

É esse o instante inevitável da (re)elaboração e da (re)significação que, paradoxalmente, nos apresenta e exibe hoje o que somos ou o que, não sendo, desejamos ou procuramos ser, independentemente das histórias já escritas na folha branca onde escrevemos.

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quinta-feira, 3 de maio de 2012

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OS COMÍCIOS DO PINGO DOCE OU O POPULISMO NO SEU MELHOR

 

1[8]Problematizar (trabalhando possibilidades outras) anuncia a todo o tempo perplexidades, busca continuadamente formas novas de olhar os problemas e desperta sem fim exercícios de pensamento que moldam leituras desafiadoras a naturalizações que, embaraçando a tentativa, estimulam o seu propósito. Estranhar o habitual e permitir a familiaridade do desconhecido requer uma disponibilidade treinada (aberta e diligente) na tarefa sempre árdua de divisar diferenças (presentes e ausentes) nos movimentos silenciosos das diferenciações articuladas que sossegam enrijadas no leito dos múltiplos interesses estabelecidos.

Para quem não alenta nem se fundamenta em rebanhos de espécie duvidosa, as demonstrações populares de desmedido espavento são sempre vistas com o olhar crítico da tolerância exigente. As evidências da numerosidade arrastam consigo (vezes sem conta) a possibilidade de achacados populismos que se corporizam nas imperfeições civilizacionais, quando não nas penúrias de toda a ordem, nas desesperanças da vida ou em crises presentes de futuros adiados. Se alguns políticos (ou políticas) exploram tais particularidades, os mercados possuem delas um saber feito pelas agulhas e linhas com que se cosem.

Assim pensando, diria que a soberania de um qualquer populismo (político ou mercantil), numa sociedade tutelada por culturas de propaganda, nutre-se da exaltação de consumismos diversos com a cumplicidade sempre pronta e enérgica dos enredos mediáticos habilmente dóceis e (sobretudo) artificiosamente criativos. O irresistível anunciado, a necessidade fabricada, o desassossego excitado, tornam voluntário um gesto que (na sombra) embala o humano que nele se deixa adormecer. A necessidade desobriga-se assim da liberdade e da dignidade e amamenta o “kitsch” ardiloso que se alastra transversalmente por campos dispersos, todos eles submetidos (hoje, mais do que nunca) à lógica mercantil que nos incompleta.

A campanha do Pingo Doce, vale o que vale mas vale, no essencial, por que se entranha num espécime de populismo universalizado que, por muitas cambalhotas argumentativas que se deem, não deixa de constituir apenas mais uma forma (manhosa e, talvez por isso, rentável) de desumanização e, já agora, de revivalismo ideológico. O populismo sempre se revelou como meio expedito e despudorado de conservação ou de conquistas de poder(es). Neste particular, qualquer pessoa de bom senso não pode deixar de reconhecer que o Pingo Doce não se quis prestar à virtude da generosidade ou de uma outra qualquer grandeza humana ou social. O Pingo Doce foi apenas e simplesmente oportunista. Fez marketing, fez negócio e não deixou de fazer política. O 1º de Maio era a data conveniente para a convergência de tantos fazeres sem causa moral alguma. O populismo no seu melhor.

Imagem retirada DAQUI

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